Nonato Guedes
Seja porque cresceram os olhos diante de fatias de recursos do Fundo Eleitoral Partidário, seja porque apostaram na perspectiva de terem candidatos competitivos, seja, enfim, por instinto de sobrevivência (afinal, time que não joga não tem torcida), o fato é que partidos tradicionais voltaram a assumir protagonismo nas eleições para a prefeitura de João Pessoa este ano, alheios à atipicidade da campanha provocada por restrições derivadas do coronavírus. Tome-se o MDB como exemplo. De coadjuvante de Luciano Cartaxo em 2016, quando indicou Manoel Júnior para vice, a agremiação investiu em candidatura própria, atraindo para suas fileiras um quadro até então estranho à militância política e ainda por cima sem tradição de maior identificação com a Capital – o radialista sertanejo Nilvan Ferreira. Foi uma boa “sacada” do senador José Maranhão.
Malgrado a inexperiência de Nilvan em gestão pública – ou talvez por causa disso, levando-se em conta a descrença de eleitores quanto a políticos carimbados que revelaram mais esperteza do que competência, o comunicador de Cajazeiras cometeu a proeza de avançar para a segunda colocação na acirrada disputa que reúne pesos-pesados da política paraibana, como os ex-prefeitos Cícero Lucena e Ricardo Coutinho, além de Ruy Carneiro, que 16 anos depois da derrota para prefeito, tentou refazer o caminho de volta. Falta uma confirmação sobre o cacife de Nilvan na undécima hora do prazo para o teste nas urnas. Ele pode continuar estacionado, ter “fraquejado” e perdido corpos de vantagem ou, de forma surpreendente, ter disparado de forma irreversível. Para além das projeções de última hora, é indiscutível que o candidato do MDB já se converteu no fenômeno da eleição de 2020 em João Pessoa, intrigando “condestáveis” da política e “analistas” que julgam ter a palavra final sobre tendências do eleitorado.
No mínimo, o senador Maranhão – que em 2012 foi o candidato próprio do então PMDB à prefeitura de João Pessoa, não indo sequer ao segundo turno, estará convencido, nestas horas de espera, de que Nilvan foi um achado para o partido manter-se à tona, depois de ter definhado, com perda de deputados federais e estaduais qualificados. O MDB, convenhamos, está à deriva como partido nacional forte, escapando em redutos municipalistas. Não há um nome de impacto capaz de empalmar uma chapa à presidência da República em 2022 – e a presidência nacional está entregue a um parlamentar por São Paulo, de nome Baleia Rossi, que habitualmente não é visto como interlocutor respeitável nas mesas de discussão dos graves problemas brasileiros. Em relação a João Pessoa, o desafio de Nilvan, para reverter o jogo e assumir a liderança do páreo, consiste em destronar Cícero Lucena, que na segunda pesquisa Ibope-TV Cabo Branco incorporou três pontos percentuais à sua quota no cenário montado para amanhã.
Além do MDB, partidos tradicionais como PSDB, com Ruy Carneiro, DEM (ex-PFL) com Raoni Mendes, PT com Anísio Maia, ainda que desprezado solenemente pela cúpula nacional do partido e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e PSB, com Ricardo Coutinho (mesmo enfrentando embaraços legais) estão pontuando na disputa que já se encaminha para o primeiro turno. Cícero, desfiliado do ninho tucano, preferiu voltar à cena nas asas do PP, o partido da senadora Daniella Ribeiro, que estreia em alto estilo na Capital. O Cidadania, recém-criado no Estado sob a chancela do governador João Azevêdo, também faz a estreia apoiando Cícero e fornecendo o candidato a vice, Léo Bezerra. As “legendas de sempre” da esquerda estão ativas, com Rama Dantas pelo PSTU, Ítalo Guedes pelo PSOL, Rafael Freire pela Unidade Popular. O PDT da vice-governadora Lígia Feliciano está infiltrado na chapa encabeçada pela candidata do PV, Edilma Freire, que tem o aval ostensivo do prefeito Luciano Cartaxo. Mariana Feliciano, filha de Lígia e arquiteta, é a vice de Edilma. PSC, Solidariedade e Patriotas ampliam o espectro das legendas representadas de uma forma ou de outra no pleito de João Pessoa, contribuindo para uma das mais concorridas disputas das últimas décadas na antiga Felipéia de Nossa Senhora das Neves.
Quanto a partidos tradicionais, podem estar emitindo últimos suspiros depois de quadra longeva no sistema político nacional e na conjuntura de poder que se espalha por várias esferas. Mas podem estar ensaiando passos de sobrevida que talvez não estivessem na lógica dos “analistas bem informados” mas, seguramente, estavam na cabeça dos eleitores, independente de motivações pessoais ou ideológicas eventualmente descortinadas. A fase mais aguda do suspense foi ultrapassada. Agora é esperar a abertura das urnas para processar a leitura correta, a “exegese” pura do balanço dos votos, sobretudo para prefeitos. Embora atípica, esta eleição provou ser capaz de produzir até fenômenos políticos.