Nonato Guedes
As eleições municipais para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores que se realizam hoje em Capitais e localidades do interior do país estiveram seriamente ameaçadas de cancelamento devido à pandemia do coronavírus. A maior crise sanitária da história impôs medidas de prevenção, controle social e enfrentamento extremamente difíceis que, por isso mesmo, quase chegaram a inviabilizar a normalidade do pleito. Não faltaram propostas e pressões, no âmbito do próprio Congresso Nacional, para a prorrogação dos mandatos dos atuais prefeitos, com a alegada coincidência em 2022, que passaria a ser a data-limite para eleições gerais, de presidente da República a vereador. A fórmula soou antipática e antidemocrática e não logrou prosperar, a despeito do lobby intenso engendrado.
Ressalte-se o papel fundamental desempenhado pelo Tribunal Superior Eleitoral, sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de garantir a efetivação do pleito e derrogar tentativas casuísticas que se encontravam em gestação. Barroso, depois de investir-se no comando, liderou uma ampla mobilização para adequar o calendário à realidade de calamidade que se disseminou pelo país, munindo-se de pareceres de autoridades médicas, de especialistas em Saúde Pública e de outras figuras exponenciais, como dirigentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O seu empenho foi com vistas a concertar uma estratégia que minimizasse os riscos para a população, assegurando-se as eleições mediante obediência a rigorosos protocolos e normas de distanciamento social.
O balão de ensaio começou a ser testado já por ocasião da realização das convenções partidárias destinadas à escolha de candidatos a eleições majoritárias e proporcionais. Recorreu-se ao método de promoção maciça de eventos online para registro e homologação de candidaturas, respeitada a agilidade nos trâmites para compensar eventuais perdas decorrentes de hiatos supervenientes. Algumas convenções presenciais foram liberadas, desde que enquadradas no receituário ministrado para a excepcionalidade da conjuntura. O uso de máscaras e do álcool em gel passou a simbolizar esses tempos de complexidade. Para o ministro Barroso e líderes políticos comprometidos com a causa, o essencial era preservar vidas e, ao mesmo tempo, o regime democrático. A prova final da conciliação desses objetivos será a votação, hoje, também nos limites da cartilha sanitária.
É imperioso destacar que houve ações calculadas para quebrar regras sanitárias e provocar aglomerações. Carreatas não apenas barulhentas mas perigosas pelo potencial de contaminação foram anotadas no entorno da Capital e nos mais longínquos recantos do Estado, em flagrante desobediência às leis específicas vigentes e sob o pretexto ou escudo da bandeira da liberdade democrática. Quando puderam agir em tempo hábil, as autoridades com poder de polícia ou repressão operaram com o fito de coibir tais abusos ou agressões à democracia. Mas é evidente que houve situações inalcançáveis pela dureza que se impunha das providências – e, independente de comprovação científica, é certo que referidos episódios agravaram o estágio da curva ascendente de contágio do vírus, com reflexos sobre a Saúde Pública em geral.
Com alguma boa vontade é possível dar algum desconto a excessos que proliferaram na campanha política-eleitoral deste ano, ponderadas a atipicidade da conjuntura e os obstáculos para o contato entre candidatos-eleitores. A conjuntura turvou, também, o debate mais aprofundado de questões que constituem desafios contemporâneos das cidades e Capitais brasileiras, o que abriu espaço para promessas mirabolantes, plenamente irrealizáveis, desfraldadas em meio ao desespero de postulantes que buscaram algum tipo de visibilidade, em meio a um número recorde de inscritos como o que se verificou nas eleições deste ano. Enfim, a festa da democracia, se não chegou, em muitos lugares, a ser uma festa, teve manifestações acaloradas de torcidas que, em última análise, dão o colorido ao processo eleitoral.
Das urnas deste 15 de novembro emergirão os gestores da maior crise sanitária da história. É certo que os prefeitos que estão em fim de mandato ou de mandatos deram o pontapé nas medidas emergenciais que se impunham para estabilizar a situação em níveis minimamente aceitáveis. Mas o contencioso do pós-pandemia é infinitamente mais complexo, desafiador. As responsabilidades serão multiplicadas e os gestores que se investirem em primeiro de janeiro não terão tempo para se acomodar porque estarão premidos pelo enfrentamento da calamidade em diversas vertentes – do fortalecimento da rede de Saúde Pública à definição de saídas para a grave crise econômica com reflexos sociais. A combinação de crise sanitária com crise econômica tem sido explosiva. É nitroglicerina pura. E a dúvida é saber se os prefeitos que estão sendo ungidos pelo voto terão, de fato, preparo e capacidade para fazer frente ao furacão epidemiológico que já dizimou milhares de vidas pelo mundo afora.