Nonato Guedes
O Partido dos Trabalhadores, através do “pajé” Luiz Inácio Lula da Silva, confirmou o que já se sabia: vai apoiar no segundo turno da eleição a prefeito de São Paulo o candidato Guilherme Boulos, do PSOL, contra o atual prefeito Bruno Covas, do PSDB. Lula recorre ao lero-lero de sempre: o “dever” das forças progressistas de alinhar-se com Boulos, por situar-se no campo da esquerda, além de ter como candidata a vice a paraibana Luíza Erundina, deputada federal, que foi prefeita de São Paulo eleita em 1988 justamente pela sigla petista e que, infelizmente, sofreu violento boicote dos petistas a uma administração popular que pretendia implantar como modelo para o país. Esse episódio de Erundina é página virada – e, em política, apoio não se recusa. Ou, se quiserem, a cavalo dado não se olha os dentes.
Se primasse pelo senso de realismo, o PT não teria lançado a candidatura de Jilmar Tatto a prefeito de São Paulo no primeiro turno este ano. Todas as projeções sinalizavam que ele não teria chances de avançar na corrida e que Lula, a despeito de ainda ter espaço, não teria influência para alavancar a candidatura própria. A chapa Boulos-Erundina, esta é que é a verdade, empolgou setores de esquerda e filiados ilustres do próprio PT no nascedouro, alguns dos quais anteciparam declaração de voto. Da Silva, entretanto, por deslavado oportunismo político e levado pela compulsão de demonstrar o peso do caudilhismo que exerce, impôs a todo custo a candidatura de Tatto, retardando uma sonhada união de forças de esquerda. Com a campanha de Boulos embalada, os analistas de São Paulo já estão prognosticando que o papel de Lula será de coadjuvante no processo, até como estratégia do PSOL para não se confundir com os erros e estigmas que macularam a legenda petista, com seu rosário de mensalões, petrolões, dinheiro na cueca e escândalos de outros tipos.
O PT ainda é, indiscutivelmente, referência política – mas não é a única no terreno da esquerda. Muito menos é hegemônica. Na própria eleição municipal deste ano, teve que dividir territórios com outras agremiações que floresceram independente ou inspiradas pelo exemplo de fundação do Partido dos Trabalhadores. Lula, ávido por publicidade depois que cumpriu pena de 580 dias de prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, manobrou com força os cordéis internos, fazendo valer o seu poder de mando em todo o país para sinalizar decisões erráticas ou incoerentes que foram tomadas com base em peculiaridades locais. Se impôs candidaturas próprias em São Paulo e Recife (nesta, pelo menos, o partido está no segundo turno), em João Pessoa Lula desmoralizou uma convenção democrática do diretório municipal que havia homologado a candidatura própria do deputado Anísio Maia e anunciou apoio à candidatura do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), que saiu do primeiro turno em sexto lugar e sob intenso bombardeio de acusações ligadas à Operação Calvário.
O teatro de operações montado por Lula para assinalar sua volta à cena política, preparatória para o grande momento que corteja em 2022, com anulação de processos na Justiça contra ele e confirmação de sua candidatura a presidente da República mais uma vez, acabou se convertendo em samba de crioulo doido, por causa das contradições que desnortearam a própria opinião pública. Anísio Maia, em João Pessoa, foi alvo de uma orquestração terrorista nunca antes verificada na história política do Estado, patrocinada por condestáveis nacionais como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, alter-ego de Lula da Silva. Foi um moedor de carne que impressionou a todos- e que só foi detido pela ação eficaz da Justiça, que preservou direitos adquiridos e manteve até o fim a postulação de Anísio. É claro que o candidato foi imensamente prejudicado pelo PT nacional – e este parecia ser o propósito, dentro da tática de agradar ao “companheiro” Ricardo Coutinho, que desceu a ladeira do mesmo jeito.
“O ex-presidente Lula é dono de algumas qualidades políticas, mas a magnanimidade não é uma delas”, escreveu a revista “Veja”. Já um integrante do partido, que preferiu ficar no anonimato, disse à revista: “O Lula hoje é o nosso caudilho. Nenhuma decisão das alianças políticas passa sem a autorização dele. É uma subserviência total. O PT é governado quase que por um papa. Enquanto isso continuar assim, as derrotas continuarão no horizonte”. A verdade verdadeira é que sob a influência de Lula, o comando partidário decidiu lançar o maior número de candidatos a prefeito, com o objetivo de defender o legado da sigla mas, principalmente, a biografia e os feitos governamentais de seu maior líder. É o culto à personalidade, que no PT se pratica desde que Lula é Lula.
Fiquem com esta observação do presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira: “A posição do PT sempre foi de exclusivismo. Nestes anos de democracia, nos momentos cruciais, o PT não ficou com o país, ficou com ele próprio e com as suas conveniências. Há uma visão autoritária e exclusivista que acha que só o PT pode ser o representante da esquerda, que acha que fora da igreja não há salvação. Que igreja é essa?”. Pode ser que os analistas estejam errados. Mas há sérios indícios de que o Partido dos Trabalhadores, fundado no ABC paulista, pode estar vivenciando o canto do cisne. 2022 é a data-limite para o jogo da verdade. .