Nonato Guedes
Saltaram à vista, do primeiro turno das eleições para prefeito de João Pessoa este ano, o esfacelamento acachapante das forças de esquerda e o desgaste monumental experimentado pelo ex-governador e ex-prefeito Ricardo Coutinho (PSB), que era tratado como grande expressão do segmento na conjuntura estadual e, em particular, no cenário da Capital. O eleitorado de esquerda em João Pessoa minguou depois de quatro eleições vitoriosas, como bem registrou o repórter-colunista Suetoni Souto Maior, do “Jornal da Paraíba online”. Candidatos progressistas não conseguiram mais que 12% dos sufrágios válidos no dia 15 de novembro. Ricardo Coutinho – que chegou a ser aventado como polarizador de um segundo turno – foi despachado em sexto lugar, como detentor de 10,63% dos votos.
Partidos como o, PSOL, PSTU, UP, Rede e PCO tiveram desempenho tão pífio que não conseguiram atingir sequer um ponto percentual. Concorrendo pelo Partido dos Trabalhadores, o deputado estadual Anísio Maia conseguiu apenas 1,49% dos votos, valendo ressaltar que ele foi vítima de um massacre urdido pela direção nacional do partido, com o aval explícito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo pecado de levar à frente uma candidatura aprovada de forma legítima, por unanimidade, em convenção do diretório municipal petista. A ordem de Lula, em tom ríspido, autoritário, foi a de manifestação de apoio do PT à candidatura de Ricardo Coutinho, como gratidão pela solidariedade deste quando o pajé petista esteve preso na Polícia Federal em Curitiba. Lula chegou a gravar um vídeo tecendo loas ao “companheiro” Ricardo Coutinho e prognosticando que ele precisava voltar à prefeitura para empreender a melhor administração de todos os tempos. Lula gastou seu verbo em vão porque o PT, oficialmente, não pôde apoiar Ricardo, segundo entendimento da Justiça Eleitoral. E Ricardo, após o primeiro turno, não teve apoio disputado por nenhum dos postulantes do segundo turno.
A rodada decisiva que será travada no próximo domingo opõe dois candidatos cujo espectro ideológico situa-se da direita ao centro – no primeiro caso, o representante ostensivo é Nilvan Ferreira, radialista, candidato do MDB, que se revelou fenômeno eleitoral desbancando condestáveis e outros políticos veteranos e garantindo seu passaporte para a finalíssima. O adversário de Nilvan, o ex-governador Cícero Lucena, é situado por analistas políticos na centro-direita, focado mais pragmaticamente no gerenciamento administrativo dos problemas da população de João Pessoa do que em questões ideológicas, das quais mantém distância olímpica. Aliás, quando indagado sobre sua posição concreta no tabuleiro político-ideológico, Lucena enfatizou que prefere se identificar como um gestor de diálogo com os mais variados segmentos que representam a sociedade civil pessoense.
Essa definição de Cícero combina com posturas marcantes que ele adotou, principalmente no governo do Estado, onde exerceu o mandato de vice-governador e, posteriormente, foi efetivado na titularidade com a saída de Ronaldo Cunha Lima para concorrer ao Senado nos anos 94. Cícero, por exemplo, foi quem coordenou a comissão de transição integrada por técnicos de alto nível e que apresentou propostas incluindo reforma administrativa, para racionalização e enxugamento da máquina, e ideias para desenvolvimento setorial. Foi peça relevante na Comissão Interpoderes, criada para tentar a isonomia salarial entre os expoentes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Teve papel reconhecidamente decisivo, juntamente com Ronaldo Cunha Lima, para a reabertura do Paraiban, o banco estadual de fomento, que fora vítima de um ato de força do governo do presidente Fernando Collor de Mello – a liquidação extrajudicial. A reabertura do Paraiban foi árdua mas testou a capacidade executiva de Cícero, transplantada da iniciativa privada para o serviço público estadual.
Ainda agora, como candidato a prefeito de João Pessoa que disputa preferências no segundo turno, Cícero Lucena anuncia que tomará medidas referentes à conciliação das atividades econômicas com a situação de calamidade decorrente da pandemia do coronavírus na base do diálogo, que pretende esgotar, com os representantes de setores produtivos, dentro da estratégia de viabilizar alternativas para um contingente expressivo de famílias desempregadas. Cícero fia-se na experiência adquirida no enfrentamento de obstáculos para garantir que vai contornar desafios e adversidades que estão reivindicando soluções corajosas por parte do poder público.
Com relação aos grupos de esquerda na Paraíba e, em especial, em João Pessoa, terá que haver um difícil trabalho de recomposição de forças, havendo dúvidas sobre se na eleição de 2022, para governador do Estado, estará valendo uma nova configuração com condições de repercutir profundamente na vida da sociedade. Por enquanto, as forças de esquerda estão lambendo as feridas da derrota experimentada nas eleições deste ano e digerindo o fracasso de propostas como a criação de uma frente ampla. Só uma vez assentada a poeira, se tornará mais nítido o espaço que tais segmentos detêm na realidade estadual.