Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro passou recibo, em sua live semanal, da dificuldade de nomear reitores para universidades e institutos federais de educação. “Cada vez mais estou sem poder decidir”, desabafou o presidente, comentando as reações que tem enfrentado quando não nomeia o candidato mais votado no processo de consulta informal à comunidade acadêmica, que precede a formação da lista tríplice geralmente enviada a Brasília para o referendo do Palácio do Planalto. Um dos casos problemáticos envolveu a Universidade Federal da Paraíba. O presidente optou pela indicação de Valdiney Gouveia, que não chegou sequer a figurar na lista do Conselho Superior da instituição e ficou colocado em última posição na preferência de professores, estudantes e servidores técnicos-administrativos.
O “imbróglio” na UFPB motivou manifestações de protesto por parte de integrantes da comunidade acadêmica e um grupo de estudantes chegou a se acorrentar em frente à entrada do prédio da reitoria para protestar contra a posse e a legitimidade da escolha de Valdiney. A Polícia Federal acabou sendo acionada para reintegração de posse da área pública da reitoria ocupada por manifestantes e, após muita discussão, conseguiu isolar os estudantes, afastando-os para outro ambiente do campus da Universidade em João Pessoa. Em outubro, o Partido Verde moveu uma ação no Supremo Tribunal Federal para obrigar o governo federal para nomear para o cargo de reitor o candidato mais votado dentro das consultas internas das instituições. Na Paraíba, a professora Terezinha Domiciano ficou em primeiro lugar com expressiva votação e, diante da estupefação pela nomeação do último colocado, preferiu não tecer comentários. Posteriormente, ela engrossou as manifestações em defesa da chamada autonomia universitária.
O presidente da República defende seu direito de escolher um nome da lista tríplice indicada pela comunidade acadêmica. “Eu não sei qual vai ser a decisão do Supremo Tribunal Federal, mas se é para eu escolher o primeiro da lista, porque tem que chegar na minha mesa para eu assinar o ato de posse daquele novo reitor? Que decidam por lá. Ter autonomia universitária; estão próximos à autonomia universitária”, ressaltou ele. O julgamento se encontrava em plenário virtual, sob a relatoria do ministro Edson Fachin, mas, depois de pedido de vista, será remetido ao plenário convencional, que tem ocorrido por videoconferência dentro das medidas restritivas e de distanciamento social adotadas na atual conjuntura em virtude da pandemia do novo coronavírus.
Bolsonaro defendeu o direito de nomear um dos três mais votados. O chefe do Executivo, ainda ao aprofundar a polêmica sobre a sua prerrogativa quanto ao poder de nomeação, formulou uma queixa. “Por que no governo do PT não se tentou mudar isso daí? Porque a questão ideológica falava mais alto. A presidente Dilma Rousseff, o Lula, escolhem quem quiser da lista, o mais votado ou não. Ninguém nunca chiou, nunca. Quando chegou par mim, tem que mudar comigo agora?”. No caso de Bolsonaro, ele já lamentou em outras oportunidades que parece haver má vontade dos setores intelectuais contra atos do seu governo. A orquestração mais forte viria da comunidade acadêmica, ciosa do exercício da liberdade de expressão e, sobretudo, do direito de contestação, refletido no exercício do contraditório. Só que, para o capitão Bolsonaro, essa postura democrática invocada por expoentes da comunidade acadêmica em diferentes universidades reproduz má vontade com o seu governo. O presidente acredita que é vítima de preconceito puramente ideológico.
O site “Congresso em Foco” revela que em manifestações enviadas ao Supremo Tribunal Federal, o Senado, a Advocacia Geral da União e o Ministério da Educação (MEC) se manifestaram contra a obrigatoriedade de o presidente da República ter de escolher o candidato mais votado para o cargo de reitor de universidades federais. O tema vai ser ainda analisado pela Suprema Corte em uma ação impetrada pela Rede Sustentabilidade. Na semana passada, Bolsonaro reconduziu a reitora Márcia Abrahão para o cargo de reitora da Universidade de Brasília (UnB). Ela era a primeira colocada da lista tríplice e permanecerá no cargo pelos próximos quatro anos. Em outras instituições de ensino, Bolsonaro não escolheu o primeiro colocado da lista tríplice. Em 30 de agosto, o presidente escolheu o terceiro lugar para a gestão da Universidade Federal da Fronteira Sul, que tem campi em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Para a Universidade Federal do Piauí ele escolheu o segundo colocado da lista tríplice.
Na verdade, é uma situação incômoda, tanto para as instituições de ensino, como para o presidente Jair Bolsonaro. Mas, a julgar pela quantidade de ações que estão em tramitação e de discussões envolvendo setores importantes da sociedade, é possível que um consenso em torno da controvérsia esteja mais próximo do que se imagina. Do jeito que está, o processo é reconhecidamente desgastante e põe dúvidas quanto à autonomia universitária.