Nonato Guedes
É fora de dúvidas que o radialista Nilvan Ferreira, candidato do MDB à prefeitura de João Pessoa, teve méritos na disputa eleitoral deste ano – tanto por ter logrado ir ao segundo turno como por ter perdido por uma diferença pequena – cerca de 22 mil votos para o veterano Cícero Lucena, do PP. O próprio Nilvan declarou que se considera o grande vencedor do páreo e houve um jornalista – Luís Torres, da TV Arapuan, ex-secretário de Comunicação de Ricardo Coutinho (PSB), que o chamou de “herói” no calor da marcha das apurações do segundo turno, ontem. Na prática, Nilvan foi longe demais, desbancou condestáveis como o próprio Ricardo Coutinho, que o havia chamado de “cuspidor de microfone”, mas empacou devido à linguagem virulenta a que recorreu e ao triunfalismo que deixou escapar, traindo uma certa arrogância, sobretudo depois que passou para o segundo turno.
A escolha de Cícero Lucena para governar pela terceira vez os destinos do município mostrou que o eleitor pessoense não quis apostar em “aventuras” numa conjuntura dificílima como a que João Pessoa vem enfrentando, em meio à pandemia do coronavírus. Prevaleceu, então, o voto de confiança na experiência, no preparo, na confiabilidade das propostas apresentadas e no estilo moderado que o ex-senador Cícero Lucena adotou durante os dois turnos. Pesou, igualmente, é claro, o apoio decisivo do governador João Azevêdo (Cidadania), que estreou em disputas eleitorais em alto estilo, depois de ter se desgarrado da órbita de Ricardo Coutinho, despachado melancolicamente no primeiro turno. Nilvan Ferreira apelou para a agressividade, denotando sinais de desespero e tentando o tempo todo desqualificar ética e moralmente o candidato Cícero Lucena, como se ele próprio não tivesse o rabo preso em episódios que ainda agora são investigados sob segredo de Justiça e que o eleitorado ficou impossibilitado de saber o que se trata, apesar de algumas evidências notórias.
Nilvan capitalizou focos de desgaste quando se deixou identificar-se como candidato ligado ao bolsonarismo, com isto afugentando segmentos de esquerda que, mesmo com ressalvas, preferiram manifestar opção por Cícero Lucena depois que todas as outras opções haviam sido descartadas no campo da esquerda propriamente dita. Nilvan foi o mais direitista dos candidatos, reproduzindo comportamento que caracterizou sua passagem por programas em emissoras de rádio, não fazendo qualquer concessão a propostas progressistas ou eventualmente esquerdistas que pudessem ser assimiláveis por um candidato. Ajoujado na bitola da direita, e sofrendo desconfiança como suposto testa de ferro de empresários, Ferreira tentou um equilibrismo poucas vezes anotado em disputas eleitorais, jurando que era o grande defensor dos fracos e oprimidos. Toda essa ginástica confundiu parcelas expressivas do eleitorado, numa ponta, e em outra ponta despertou o senso crítico dos que tinham noção exata do retrocesso que Nilvan representou no páreo.
De sua parte, Cícero Lucena investiu em posições ideológicas de centro e, em certa medida, no figurino paternalista, colocando na vitrine a sua experiência não só como prefeito mas como vice-governador e governador do Estado e ex-secretário de Políticas Regionais, com status de ministro, como credenciais para retirar João Pessoa da situação de inércia administrativa a que foi conduzida nos últimos anos em termos de dinamismo que era reclamado pela população. Os oito anos da gestão do prefeito Luciano Cartaxo, do PV, apesar de alguns avanços pontuais, estiveram muito aquém das expectativas da população pessoense quanto ao crescimento da cidade ou ao desenvolvimento de João Pessoa nas mais diferentes estruturas. A Capital assistiu em quase uma década a uma gestão baseada no “feijão com arroz”, sem maiores atrativos, sem obras de grande impacto e sem uma atuação do prefeito que pudesse ser considerada vigorosa e empolgante.
O resultado é que a candidata “in pectoris” do prefeito, sua concunhada Edilma Freire, que foi secretária de Educação do município e apresentada à população pelo alcaide como executora de “uma revolução silenciosa” nesse segmento, ficou nas “Calendas Gregas” na eleição, ainda em primeiro turno, incapaz de articular um discurso que sensibilizasse as camadas menos favorecidas da população e, da mesma forma, impermeável ao sentimento de classe média ou de elite. Sem nenhuma restrição de ordem pessoal à ex-candidata, cuja trajetória como educadora é impecável, ela não era a candidata talhada para representar as cores do “clã” familiar que se instalou há oito anos no Paço Municipal. Foi feita candidata por teimosia de Luciano, que se achava o “Rei da Bola” e que amargou humilhante decepção no balanço das urnas.
No resumo da ópera, Nilvan Ferreira foi incapaz de apresentar propostas competentes para a crise sanitária e econômica-social de João Pessoa. Avançou nos corpos de vantagem durante a disputa porque se apresentou como um outsider, apesar do apoio notório de duas raposas políticas – José Maranhão (MDB) e Cássio Cunha Lima (PSDB), tendo como coadjuvante Romero Rodrigues, que está concluindo segundo mandato em Campina Grande. Sobre o prefeito Cícero Lucena: ele passa a dever à população de João Pessoa a melhor administração de sua vida e da história da Capital, tal como prometeu nos discursos na campanha recém-encerrada. Mas expectativa, até mesmo dos adversários, favorece a Lucena no desideratum de uma gestão que supere a opaca Era Cartaxo.