Nonato Guedes
O economista paraibano Maílson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney, em seu blog na revista “Veja” adverte para o fato de que o Brasil corre o risco de enfrentar uma gravíssima crise fiscal e que, se ela não for evitada, o país poderá viver uma sucessão de calamidades: forte depreciação cambial, inflação alta, recessão, desemprego e aumento da pobreza e da desigualdade. “A crise poderá irromper até o fim deste ano”, salienta Maílson da Nóbrega, acrescentando que dependerá do presidente Jair Bolsonaro evitar o problema. “Basta ouvir Guedes”, emenda, referindo-se ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que já foi um dos mais ministros do governo atual mas cuja cotação parece baixíssima de uns meses para cá.
De acordo com Maílson, a crise resultaria da insustentabilidade da dívida pública decorrente do aumento de sua relação com o Produto Interno Bruto. O ex-ministro pondera que isso já era sério em 2019, quando atingiu a marca de 76%. Até o final deste ano, se acercará de 100%, um salto próximo dos 20 pontos de porcentagem. “Nos mercados emergentes, diz o Fundo Monetário Internacional,, a relação passará de 53% para 62% do Produto Interno Bruto, elevação de apenas sete pontos. Seremos, de longe, o país de pior situação entre as nações relevantes do grupo”. Conforme Maílson, caberiam, para deflagrar a crise, fatos relacionados à criação do Renda Cidadã, o programa que ampliará o Bolsa Família e que incluirá parte dos trabalhadores informais. Seu custo, adicional ao Bolsa Família, será de cerca de trinta bilhões de reais. O desafio será financiá-lo sem romper o teto de gastos em 2020. Ou dele abdicar, então.
No Orçamento da União para 2021, informa o ex-ministro Maílson da Nóbrega, os gastos obrigatórios consumirão 96% das despesas primárias. Apenas 92 bilhões de reais vão estar disponíveis para o custeio da máquina administrativa e o investimento público. Gastos inesperados podem reduzir esse valor para 75 bilhões de reais. Não há, pois, como abrigar o Renda Cidadã. No entendimento do economista paraibano, há pelo menos cinco alternativas. A primeira delas é cortar os gastos sociais de menor eficácia, como foi proposto pelo ministro Paulo Guedes: abono salarial, salário-família e seguro-defeso. Concordam com essa ideia dez entre dez economistas que bem examinaram o assunto, mas o presidente Jair Bolsonaro a rejeitou publicamente.
A segunda alternativa – sugere Nóbrega – é flexibilizar o teto de gastos, excluído do limite o Renda Cidadã. Isso poderia acarretar uma súbita queda da confiança na economia brasileira, disparando a crise fiscal mencionada e seus terríveis efeitos. A terceira opção é desistir do programa, mantendo apenas a sistemática de funcionamento do Bolsa Família. Nesse caso, sugere Maílson, “poderíamos assistir a uma queda da popularidade do presidente, o que ameaçaria o seu objetivo de reeleger-se”. Não é segredo para ninguém que desde que tomou posse na presidência da República, depois de sair vitorioso das eleições de 2018, ser reconduzido ao Palácio do Planalto tornou-se uma espécie de obsessão permanente do capitão Jair Bolsonaro. Ele já atropelou propostas racionais formuladas no núcleo do próprio governo para guiar-se pela intuição e adotar medidas populistas que favorecessem a sua imagem em plena crise sanitária decorrente da pandemia do novo coronavírus e cujo corolário mais sério é o agravamento da crise econômica e financeira.
Em nome da obsessão populista de pavimentar o terreno para obter mais um mandato na presidência da República, Bolsonaro lançou mão de uma medida paliativa, porém, tida como eficaz, que foi o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600,00 a trabalhadores em situação de vulnerabilidade social e econômica em plena gravidade da calamidade de saúde pública. O benefício foi bom enquanto durou e logo o governo sentiu que não poderia bancar indefinidamente o auxílio para as camadas menos favorecidas da população. Uma quarta saída vislumbrada por Maílson seria o financiamento do programa Renda Cidadã mediante elevação de impostos ou da dívida pública. “De fato, era assim que funcionava até 2016, mas essa estratégia contribuiu para a deterioração fiscal e tributária que hoje atormenta o Brasil. Com o advento do teto de gastos, um novo programa só pode vir a ser financiado se houver simultânea redução de outros gastos. Não adianta ter mais receitas”, compara.
Por fim, a quinta saída apontada por Maílson da Nóbrega é a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional Emergencial, que possibilitará a redução da jornada de trabalho e de salários dos servidores públicos federais, abrindo espaço, então, para o Renda Cidadã. A emenda constitucional, previne o ex-ministro da Fazenda de José Sarney, precisaria ser aprovada até este mês de dezembro, uma hipótese que é considerada bastante difícil. Assim, não haveria economia de gastos, no início do ano, o que impedirá a criação do programa. Maílson conclui, diante dos diferentes cenários: “Depende de Bolsonaro, pois, evitar que a crise fiscal se instale. Ele pode desistir do Renda Cidadã ou, melhor, acolher a proposta formulada pelo ministro Paulo Guedes. Torçamos para que opte por uma dessas sensatas decisões”. Do contrário, como alertou Maílson, há a ameaça concreta do enfrentamento da gravíssima crise fiscal no país.