Nonato Guedes
Vale como registro histórico: reitoras e reitores de Universidades e Institutos Federais que foram eleitos no processo de consulta à comunidade acadêmica mas não tomaram posse porque foram preteridos pelo presidente Jair Bolsonaro em favor de menos votados e até de não votados divulgaram, ontem, uma carta aberta denunciando a falta de respeito à vontade do contingente universitário. Pelo menos 28 reitores ou vice-reitores eleitos assinaram o manifesto cobrando respeito ao resultado das urnas. O libelo firmado pelos Magníficos e pelas Magníficas traduz a situação absurda que cerca o processo de nomeação de dirigentes das instituições públicas de ensino: a consulta é acatada, mobiliza segmentos de professores, funcionários e alunos, mas nem sempre o nome mais votado da lista tríplice encaminhado ao presidente da República é o acolhido.
Isto aconteceu, entre outros Estados, na Paraíba, onde a professora Terezinha Domiciano foi a mais votada como candidata a reitora da UFPB na consulta feita à comunidade acadêmica, tendo tido o seu nome referendado pelo Conselho Superior Universitário, o que reforçou a legitimidade da votação expressiva alcançada na consulta informal. Surpreendendo a todos, entretanto, o presidente Jair Bolsonaro refugou o nome da ungida democraticamente pela universidade e optou por escolher o terceiro colocado, o professor Valdiney Gouveia, cuja cotação foi baixíssima – e ele não chegou a encontrar aval por parte dos Conselhos Superiores da instituição. Houve manifestações de protesto por parte de setores da comunidade universitária e gestões junto ao Conselho de Reitores para ações conjuntas no Supremo Tribunal Federal visando a inviabilizar os atos autoritários subscritos por Bolsonaro. Mas a mobilização não avançou a ponto de reverter o quatro e premiar o mérito, não o apadrinhamento político.
O documento que ganhou repercussão nas últimas horas deixa claro, com todas as letras: “A democracia é um valor que, para ser materializado, precisa ser praticado e não apenas enunciado e debatido abstratamente. Não basta proclamar-se democrático. É preciso demonstrar, com ações, o respeito à vontade da comunidade”, diz. De acordo com o documento, a falta de respeito ocorre tanto por parte do Ministério da Educação quanto da parte de colegas servidores, “que têm aceitado, contrariamente ao resultado das urnas, atuar como interventores ou como membros das equipes de intervenção nas Instituições Federais de Ensino, que desde 2019 tiveram negada a posse de suas reitoras e dos seus reitores/diretores/eleitos”.
Os reitores e vice-reitores relatam que muitos deles, apesar de eleitos em um ambiente legítimo e democrático, sofrem as consequências amargas de procedimentos danosos de intervenção, enquanto buscam saídas por vias administrativas, políticas e até mesmo judiciais. “As garantias constitucionais definem a autonomia universitária como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Ao afrontá-la, as recentes nomeações e indicações feitas pela Presidência da República, por iniciativa antidemocrática do Ministério da Educação e Cultura, criam uma imagem institucional bastante negativa, corroborando para que a sociedade civil veja com descrédito as Instituições e seus processos decisórios, que devem ser sempre democráticos”, assinala. O texto acrescenta, apropriadamente, que “a intervenção nas Instituições federais e a indicação de reitores biônicos remontam aos tempos da ditadura militar no Brasil e não são aceitáveis no Estado Democrático de Direito, conquistado a partir de duras lutas políticas e sociais que tem, na Constituição de 1988 seu grande marco”.
Por uma solicitação ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil, o ministro Edson Fachin, dos quadros do Supremo Tribunal Federal, determinou, no dia 19 de novembro, que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) prestasse informações sobre a nomeação de reitores e vice-reitores de Universidades Federais. A entidade reivindicou que o Supremo Tribunal Federal determine que o presidente deve nomear apenas os primeiros nomes das listas tríplices que habitualmente são encaminhadas pelas instituições federais de ensino superior. É fora de dúvidas, vale ressaltar, que o processo de designação de dirigentes universitários em desacordo com a manifestação da vontade da maioria cria uma atmosfera desagradável e prejudicial ao próprio funcionamento regular das instituições, além de desmoralizar ou tornar letra morta o preconceito de democracia que o governo tanto apregoa em pronunciamentos e mensagens. O impasse poderá ser resolvido dependendo de dois fatores: a existência de vontade política e o compromisso firme, intransigente, com a democracia. Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro, pela própria formação autoritária e caudilhesca, não parece ser a autoridade incumbida de oferecer justa solução. Esta, se encontra nas mãos do Judiciário, que é ainda quem preserva a ordem institucional e democrática brasileira.