Nonato Guedes
Ontem, o ex-governador Antônio Mariz completaria 83 anos de idade, se ainda estivesse entre nós. No dizer do advogado Johnson Abrantes, em postagem em rede social, Mariz constituiu-se em uma das mais promissoras lideranças da Paraíba a partir de 1962, quando se elegeu prefeito de Sousa. Revelou-se um político inovador, sério, competente, honrado, honesto e de elevado espírito público. “Na condição de deputado federal, senador e governador da Paraíba, sempre se impôs pelo respeito e transmitia respeitabilidade. Marcou seu nome na política como um dos homens públicos de maior conceito, na Paraíba e no Brasil”, registrou Johnson Abrantes, oportunamente. Mariz faleceu em 1995, em pleno exercício do governo do Estado, depois de ter fixado as linhas mestras de um governo marcante cuja continuidade, em outra dimensão, foi dada pelo então vice José Maranhão.
A seriedade e o espírito público eram pedras de toque da personalidade de Mariz, que tomou posse no governo do Estado sem festas nem pompas a primeiro de janeiro de 95. No pleito de 15 de novembro de 1994, havia sido eleito com 781.349 votos, derrotando a deputada federal Lúcia Braga (in memoriam), e instituiu o que havia prometido na praça pública – o Governo da Solidariedade, focado no apoio e na melhoria das condições de vida das camadas menos favorecidas da população. Na Assembleia Nacional Constituinte, Mariz havia se destacado com Nota Dez. Ainda à frente do mandato no Senado, foi relator do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello e consignou perante a História seu voto pelo afastamento do mandatário acusado de corrupção. A força da liderança de Mariz se impôs em meio à tragédia pessoal – o câncer de que fora acometido, e a outras adversidades decorrentes da conjuntura, como o empobrecimento econômico, social e financeiro do Estado. No livro “Mariz, um Imortal”, do Memorial Antônio Mariz, gerido pela Madre Aurélia Gonçalves, de Sousa, está dito que as adversidades do câncer foram suplantadas pelo apoio popular, partidário e familiar. E que isto traduziu vitória do positivo, “pela força da dignidade”.
Lembrou-se, também, que durante a campanha rumo às eleições de 15 de novembro de 1995, Antônio Mariz, mesmo sofrendo as agruras do câncer de cólon que o acometera, demonstrava capacidade e firmeza no ideal de governar o seu Estado. Foi sua terceira tentativa de chegar ao Palácio da Redenção, o que atesta a obstinação com que se aplicou ao mister de administrar o Estado com o compromisso de fazê-lo vencer as desigualdades históricas e avançar no rumo do desenvolvimento e na trilha da Cidadania, conceito incorporado ao cenário político, significando elevação plena da condição humana. Em 1978, Mariz desafiara os generais e candidatou-se ao governo por via indireta (mediante votos de parlamentares e delegados partidários). Denominou a sua cruzada como resistência ao medo. E, conquanto tenha sido batido pelo candidato oficial do regime, Tarcísio Burity, deu lastro popular ao projeto de poder empalmado, despertando consciências cívicas para a necessidade de transformações concretas na realidade paraibana.
Em 1982, já rompido com a Arena, onde militara como um corajoso dissidente, adotando atitudes contestatórias ao regime militar e firmando posição na defesa dos Direitos Humanos – tema-tabu para a ditadura dos generais – Mariz ingressou no então PMDB, onde foi adotado pelo senador Humberto Lucena e por outras lideranças como candidato natural ao Palácio da Redenção. A moeda corrente, já aí, passara a ser o voto na urna, precedido de campanhas a céu aberto. O país encaminhava-se para a retomada democrática, fazendo cessar a longa noite das trevas instaurada em 31 de março de 1964. Não só as diretas mobilizavam as ruas. Campanhas como a da adoção da anistia a exilados e adversários do regime empolgaram os auditórios e as praças, gerando caudal irreversível em prol das liberdades públicas. Infelizmente, Mariz não logrou concretizar o sonho de eleger-se governador pelo voto popular em 82. Enfrentou um rolo compressor de máquinas administrativas situadas em diferentes esferas. De resto, a organização da oposição, refletida no PMDB, era incipiente em termos estaduais. A conjuntura premiou no balanço das urnas o candidato Wilson Braga, de indiscutível apelo popular.
Foi em 94 que Mariz teve consolidada a chance pela qual tanto se empenhara – a de conquistar o governo do Estado. Já no final da campanha, proferiu uma espécie de libelo sobre os obstáculos enfrentados: “Chegamos ao final com a consciência plena de responsabilidade multiplicada. O leque de apoios que recebemos é tão amplo quanto as esperanças da nossa terra. São adversários históricos que, em nome da Paraíba, superaram divergências políticas e antagonismos pessoais., Entenderam que a nossa luta não é a de um partido ou de um candidato. É uma cruzada histórica em favor da Paraíba”. Visitado em hospital em São Paulo, já no exercício do governo, Mariz comentou paradoxo que vivia, conversando com o poeta Ronaldo Cunha Lima: “Quando tive saúde, perdi o governo. Quando ganhei o governo, perdi a saúde”. Lamentavelmente foi assim o desideratum. Mas Mariz viveu exemplo, virou emblema de homem público raro. Ainda hoje faz uma falta enorme à Paraíba e ao Brasil.