Linaldo Guedes
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Ser inventivo na poesia não é necessariamente ter sua poética atrelada aos preceitos vanguardistas. Penso ser, sobretudo, caminhar na contramão do senso comum da linguagem no tempo em que aquele poeta está inserido. “O Monólogo Caramujo” (Penalux, 2020), de Antonio Maranganha é um livro que surpreende pela busca de falar algo novo em seus versos a partir da uma tradição que vem sendo cada vez mais ignorada entre os jovens poetas, mais atentos ao Control C, Control V de uma poesia que no mais das vezes se preocupa mais com a forma e despluga do conteúdo.
Conheço Antonio Maranganha de outros carnavais literários em João Pessoa. Na capital paraibana, esse potiguar de origem integrou o Caixa Baixa, o último grupo que vingou em João Pessoa e que revelou nomes que vêm fazendo a cena literária local, como Roberto Menezes, Letícia Palmeira, Bruno Gaudêncio e tantos outros, na prosa e na poesia. Era um grupo que, como todos os outros, lutava por espaços para os jovens, sem um padrão estético que acusasse sua existência à primeira leitura. Predominou, no grupo, a ausência de um padronização. Assim, cada jovem se apresentou com seu arcabouço teórico e sua capacidade criativa enquanto escritor ou poeta.
Maranganha se apresenta, de fato, neste primeiro livro. E que apresentação! Um livro que chega sem prefácio e nem atestado de nomes famosos para sua poética, mas que surpreende a cada página lida, a cada verso digerido. E surpreende com uma poesia que não tem medo em ser ela própria antes de tudo, sem a preocupação de participar de “modinhas” literárias.
A poesia de Maranganha tem uma musicalidade e um ritmo que lembra os poetas da segunda geração romântica (na forma) e também poemas do parnasianismo, do simbolismo e de nomes com Augusto dos Anjos, entre outros. Mas isso embalado num conteúdo reflexivo, atualizado e irônico. Digamos que seria uma tentativa de poesia clássica na forma e moderna no conteúdo.
Vários poemas atestam essa mistura, essa simbiose tão bem executada em toda poética de Maranganha. “Milksang”, por exemplo, remete a alguns poemas parnasianos de falar de coisas aparentemente distantes, mas surpreende com o encaixe de uma mensagem bem budista. Em “motivos”, Maranganha neologiza com o termo “amarelinham”, em “galinha” é cruel com o destino dos galináceos, em “vida branca” é todo aliteração com a letra “s”, em “fatografias” é só a nostalgia de estar “impedido de voltar ao tempo feliz dos retratos”, em “ziilismo” é um Nietzsche ao falar da morte e da vida e definir o nascimento como uma extremaunção, em “estrelagarça” lembramo-nos de Álvares de Azevedo, em “a noite aqui no sertão” esbanja lirismo à Catulo, em “cafuçu varal” solta um erotismo inusitado, ao falar de “traiçoeiras calcinhas vergonhadas”, em “lord vader” não tem como não pensar em Augusto dos Anjos, e em “ironia” zomba de seu próprio fazer poético: “que danado será isso que escrevo”, pergunta.
Eu diria que é poesia. E poesia da melhor qualidade que coloca num mesmo guarda-chuva o parnasianismo, simbolismo, arcadismo, barroco e modernismo, como reconhece em “soneto terminado em trepa”. Uma prova de que sua poesia é atemporal, em termos de escolas e influências, são os poemas dedicados a Olavo Bilac, a Luiz de Camões e a Augusto dos Anjos. Em “ao infinito cortado”, Maranganha provoca: “não tenho paciência pra escritores,/ coletivos, atores… para artistas”, isso porque prefere agonia em carne viva. E o que seria essa agonia? Seria, talvez, preservar sua individualidade poética, a despeito de todas as influências que se apresentam nesse livro.
Maranganha se impõe e impõe sua poesia, com coragem de ser poeta antes de buscar a eternidade, como neste belíssimo “garrafas no mar do tempo”:
ninguém lerá
meu último pedido.
apenas escombro sonhos
em retratos de festa,
são cartas de um naúfrago
a futuras maresias.
tatuo no tempo
o que me doi
e me extasia.
gerações de bilhetes,
histórias solitárias
sem leitores
para a mortalha
de suas novas ideias.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.