Nonato Guedes
O recente desempenho negativo alcançado pelo Partido dos Trabalhadores nas eleições para prefeitos de capitais brasileiras recoloca, na mesa, as dúvidas sobre o futuro da legenda criada por Luiz Inácio Lula da Silva na década de 80 na região do ABC paulista, então convertida em berço do novo sindicalismo pós-ditadura militar. A impressão entre analistas políticos isentos é que o PT é um partido a caminho da extinção no cenário político nacional, já que só tem alcançado revezes eleitorais e encontra-se perigosamente isolado no campo da esquerda, onde é contestado por legendas como o PSB e o PDT. Em paralelo, chama a atenção a renitente postura negacionista da legenda, que se recusa a fazer autocrítica ou rever posturas/posicionamentos.
Afirma a colunista Dora Kramer na mais recente edição da revista “Veja”: – A julgar pela reação de petistas ao desempenho ruim do partido nas eleições municipais, ainda prevalece entre eles o sentimento de negação. Embora existam manifestações de raiva, tentativas de negociar com a situação adversa e os deprimidos (se houver) não mostrem sua face, no conjunto o PT dá sinais de quanto é difícil aceitar que o partido perdeu relevância e já não é o dono da bola no campo de esquerda. Ninguém, partido político ou indivíduo, gosta de admitir derrotas, não obstante seja esse o po0nto de partida para o início de qualquer recuperação. No terreno das autocríticas francas é que são semeadas as soluções. Mas o PT vem se recusando a enfrentar seus fantasmas desde que se sentou no banco dos réus dos escândalos de corrupção, perdeu o comando do poder central e entrou em estado de desprestígio junto à sociedade.
De lá para cá, prossegue Dora Kramer, o Partido dos Trabalhadores recebeu inúmeros recados da população, sendo o mais recente – não necessariamente o último, se persistir no vacilo – das urnas municipais deste ano: ficou sem prefeitos nas capitais e reduzido a estar à frente de cidades corresponden6tes a 3% do eleitorado nacional. Essa proporção já foi de 19%, mais do que os cerca de 16% alcançados agora pelo PSDB, o primeiro colocado nesse quesito entre os partidos. “E como reagiu o PT? Seu líder maior, Luiz Inácio Lula da Silva, não deu uma palavra ao público. Relativamente recolhido esteve durante a campanha, completamente recolhido ficou ao menos até quatro dias após a divulgação dos resultados. Lula não avalizou as manifestações dos defensores da autocrítica, os mesmos habitualmente ignorados, tampouco disse qual a avaliação dele ou indicou o rumo a tomar.
Dora Kramer indaga, em tom de provocação, se não houve tempo, ainda, para uma análise mais precisa. E ela mesma procura responder à questão: “O argumento valeria caso a trajetória descendente não tivesse sido sinalizada há uns quinze anos e se aprofundado há pelo menos quatro, a partir do impeachment de Dilma Rousseff. A ida ao segundo turno em2018 deve-se a uma situação anômala, a um pico de polarização que parece ter cansado o eleitor. A corda não cedeu, mas afrouxou-se. Voltará a ficar esticada quando o próximo processo eleitoral pegar velocidade, mas o PT não será mais o centro de gravidade”. Essa postura arrogante do PT, que reafirma uma vocação intrínseca para brigar com os fatos ou adotar a política de avestruz, tem sido condenada por forças de esquerda com veemência cada vez maior, por não identificarem disposição nem boa vontade dos líderes petistas em dialogar sobre a conjuntura, muito menos fazer concessões ou abrir mão de posturas hegemônicas sempre reclamadas ou praticadas pelo PT no ideário do seu projeto de poder.
Para Dora Kramer, não ajudam “a insistência no culto à personalidade de Lula, o discurso persecutório como forma de fugir às próprias responsabilidades e o aguardo de que o circo pegue fogo na esperança de, assim, voltar a brilhar num ambiente de conflito permanente sem precisar prestar contas internas e externas das mazelas que produziu para si. Nada, a não ser a reverência ao autoengano, impede que o PT volte a ter o protagonismo de antes. Afinal, é como se diz: na política, o fundo do poço tem mola. Mas ela só funciona mediante a rendição seguida de impulso e força”. A colunista conclui que o PT é uma estrela que cai no horizonte partidário brasileiro, em meio às múltiplas contradições em que tem se enredado ao longo da sua trajetória.
Em uma reportagem jornalística, “Veja” alerta que, para Bolsonaro, não haveria cenário melhor para 2022 do que uma disputa marcada pelo antagonismo com o PT ou com a esquerda mais estridente. O ex-presidente Lula, a dados de hoje, está impedido de concorrer a cargos eletivos em razão da Lei da Ficha Limpa, mas ainda tenta reverter suas condenações na Lava-Jato com recursos no STF. Aliados de Bolsonaro dizem que ele só pensa nisto: pegar alguém dessa ala num segundo turno – de preferência o “pajé” Lula da Silva. Mais do que uma eventual ofensiva de Bolsonaro como “coveiro” do PT, o que pode vir a começar a enterrar o PT a partir das próximas eleições é a inação da cúpula petista, associada à falta de estratégia. O próprio Lula perdeu muito do carisma que detinha. É um líder em flagrante processo de decomposição.