Nonato Guedes
A movimentação que se desenrola entre parlamentares paraibanos para que o Estado venha a reconquistar prestígio no cenário político e de poder nacional tem uma explicação: desde a passagem do senador Humberto Lucena, falecido em abril de 1998, pelo comando do Congresso, está órfã de representação em cargos importantes, sobretudo no Parlamento. Tivemos paraibanos em ministérios de governos como os de Fernando Henrique, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, para mencionarmos alguns dos mais recentes. Na Câmara e no Senado, políticos do Estado ascenderam à direção de Comissões influentes ou a cargos relevantes em Mesas Diretoras das Casas do Congresso.
Efraim Morais (DEM) e Cícero Lucena (quando filiado ao PSDB) se projetaram em funções estratégicas na Mesa do Senado. José Maranhão presidiu a Comissão Mista de Orçamento do Congresso, Vital do Rêgo destacou-se em Comissão no Senado, outros mais, como o deputado Hugo Motta, lograram parte do colegiado da Câmara, na gestão do ex-deputado Eduardo Cunha, que cumpre pena de prisão. Nenhum deles chegou a presidente do Senado ou da Câmara Federal. Humberto Lucena presidiu o Senado entre 1986-1988 e, depois, entre 1994-1996. Esteve nesse cargo máximo do Parlamento quando a Assembleia Nacional Constituinte realizou seus trabalhos, no período de 1987 a 1988. Como lembrou Efraim Morais em apresentação a livro sobre a atuação parlamentar de Humberto, coube a Lucena, entre outras iniciativas de relevo, a de fazer constar na nova Constituição Federal o regime presidencialista de governo e a exigência do concurso público como única forma de ingresso na carreira de servidor do Estado.
Humberto Lucena esteve na linha de frente do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello na presidência da República em 1992, “em que não hesitou em denunciar atos de corrupção e empenhar-se na punição dos faltosos”, nas palavras, ainda, de Efraim, que recordou, também, a fase em que Humberto afrontou o regime militar, vigente por 21 anos no país. Esta etapa se deu, particularmente, quando Lucena foi deputado federal, alçado à condição de Líder da Minoria numa Câmara pontilhada pelo bipartidarismo, que tolerava o funcionamento, apenas, do MDB e da Arena, este, declaradamente, o partido de sustentação da ditadura. Humberto foi extremamente combativo, como porta-voz de denúncias sobre violações de direitos humanos no país, numa conjuntura em que esse tema era tabu para o poder de plantão, ancorado nas baionetas. Também foi incansável na defesa da liberdade de imprensa, no protesto contra a censura e alistou-se entre os combatentes pela concessão da anistia aos exilados e presos políticos que ousaram discordar da ordem imposta entre 31 de março/primeiro de abril de 64, a chamada longa noite das trevas.
Em relação a Humberto, além do seu talento, facilitou-lhe os passos a dedicação que devotou, preferencialmente, ao Parlamento. Como recordam seus contemporâneos, Humberto era, antes de tudo, um homem do Legislativo – tanto assim que, embora premiado com justiça, duas vezes, na condição de presidente do Senado Federal, não inscreveu no seu currículo a passagem pelo governo do Estado, que seria coroamento natural de uma trajetória iniciada como deputado à Assembleia Legislativa. Na última incursão que fez para finalmente concorrer ao governo, em 1986, Humberto Lucena abriu mão para Tarcísio Burity, recém-chegado ao então PMDB. Apostava na teoria de que dissidência é quem ganha eleição na Paraíba – um conceito aprimorado ao longo da história pelo professor José Octávio de Arruda Mello. De sua parte, Lucena concordou, sem problemas, em pleitear, outra vez, a reeleição ao Senado, tendo merecido o voto de confiança dos paraibanos.
Remanescentes do período de sua militância política atestam que Lucena praticamente se aplicou ao mister legislativo, desenvolvendo uma profunda identificação com o Congresso. Isto se materializou não apenas nos discursos antológicos que proferiu na tribuna, em que fustigou regimes e atos ditatoriais, mas numa intensa produtividade atestada no exercício propriamente dito da atividade legisferante, na apresentação de projetos e requerimentos elaborados com esmero e com o conhecimento de quem acompanhava a realidade nacional e de quem era versado, por assim dizer, em driblar a censura, que tatuou a longa noite das trevas legada ao Brasil com a derrubada do governo democrático e constitucional de João Goulart, complementando mandato originalmente conquistado no embate das urnas por Jânio Quadros, o “renunciante”, como ficou referenciado na História.
Note-se que nas duas vezes em que foi elevado à presidência do Senado Federal Humberto ganhou no voto contra representantes de Estados influentes – certamente mais influentes que a Paraíba. Foi assim que derrotou José Fragelli, do Mato Grosso do Sul, apoiado por forças políticas influentes de Estados relevantes, e também foi assim que derrotou Nelson Carneiro, o autor da Lei do Divórcio, representante do estratégico Estado do Rio, que contou com o apoio ostensivo da mídia, sobretudo do “Jornal do Brasil”, empenhado em ardilosa campanha para tentar desgastar a imagem do paraibano Humberto Lucena. É por tudo isso que quando se fala em representação política da Paraíba o nome de Humberto Coutinho de Lucena vem, invariavelmente, à tona. Ele foi, mais do qualquer outro, o legítimo representante do nosso Estado no cenário nacional em período recente, marcado por mudanças históricas, do processo político-institucional tupiniquim.