Nonato Guedes
Pode não ter havido propriamente má-fé do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PV), mas foi polêmico, sem dúvida, o anúncio do gestor, no apagar das luzes do segundo mandato, às vésperas da posse do sucessor Cícero Lucena (PP), que não é seu aliado político, sobre a realização de concursos públicos para preenchimento de 601 vagas na Saúde e na área administrativa. A equipe de transição designada pelo prefeito eleito já deixou claro que a futura gestão anulará atos sem respaldo legal, que causarem prejuízos ao município, arrimando-se na vedação legal para criar despesas no último quadrimestre da administração. No mínimo, a postura do ainda prefeito revelou-se antiética ao publicizar os editais – afinal de contas, as nomeações e pagamentos de salários caberão à administração que se empossa no dia primeiro.
Argumenta a gestão de Cartaxo que os concursos agora anunciados foram acertados em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), celebrado em agosto com o Ministério Público da Paraíba. O TAC previa a exoneração imediata de 600 contratados temporários e o preenchimento de, pelo menos, 4.063 cargos efetivos até 2024, sendo que 601 de forma imediata. O município teria se comprometido a efetuar as nomeações dos aprovados até 31 de março do próximo ano. Em tese, portanto, há tempo suficiente para a gestão do prefeito Cícero Lucena decidir sobre a conveniência de efetivação do concurso, em articulação com o próprio Ministério Público e, vale ressaltar, de posse de informações concretas sobre a verdadeira situação financeira que vai encontrar quando se investir no Paço Municipal.
Não se trata de duvidar das versões que têm sido quase diariamente liberadas pela equipe de Cartaxo de que a nova administração encontrará uma prefeitura absolutamente equilibrada, aparentemente enxuta, com pagamento de salários em dia e regularização de contratos com fornecedores. De algum modo, auxiliares da transição designados por Cícero estão se enfronhando nesse diagnóstico, podendo atestar a sua veracidade ou não. Mas de respeitar a autonomia que o futuro governo deve ter sobre decisões que lhe competirá tomar. Repassar, de última hora, encargos e obrigações para quem vai entrar, e assumir dentro de uma outra conjuntura, não é atitude republicana. Será tanto mais grave se embutir estratégia de obtenção de dividendo político com medidas populistas para favorecer, em pleitos vindouros, o clã Cartaxo, derrotado nas urnas na disputa eleitoral de 2020 em João Pessoa, com a candidata Edilma Freire, ex-secretária de Educação, não indo sequer para o segundo turno, ou a rodada decisiva. (Não custa lembrar, a propósito, que Luciano já se lançou como provável candidato ao governo do Estado em 2022).
Em pauta, também, está questão de outra natureza, mas também com fundamento ético: o respeito que o atual gestor de João Pessoa, detentor de mandato ininterrupto de oito anos à frente da prefeitura, deve demonstrar, na prática, ao princípio democrático, consequentemente respeitando o resultado das urnas que consagraram o então candidato Cícero Lucena, em embate acirrado no segundo turno travado contra o candidato do MDB, Nilvan Ferreira, que logrou surpreender a todos e polarizar a disputa recém-travada nos domínios da Capital. O esquema de Cartaxo dá a impressão de passar recibo de inconformação ou irresignação com o resultado das urnas, como se não conhecesse os sortilégios do próprio jogo político e as oscilações da vontade popular, que em outros períodos favoreceram Luciano e foram, por óbvio, aclamadas como legítimas, incontestáveis.
A verdade é que a permanência longeva no poder criou em figuras do “staff” do prefeito Luciano Cartaxo uma sensação de deslumbramento, que, em alguns momentos, se confunde com sensação de onipotência, como se nos oito anos por ele empalmados tivesse sido desencadeada em João Pessoa a administração mais revolucionária de todos os tempos. Na própria campanha eleitoral, a candidata apoiada pelo prefeito, Edilma Freire, além de se jactar de ter promovido uma “revolução silenciosa” à frente da Pasta que dirigia, mencionou repetidamente recursos de monta que estavam disponibilizados para a execução de obras de infraestrutura, oriundos de contratos intermediados com agências internacionais de desenvolvimento. Esse montante – como o eleitor ficou cansado de saber – estaria à disposição de quem quer que fosse eleito ou eleita para a prefeitura. No caso, Edilma não foi contemplada mas, sim, Cícero Lucena.
Segue o baile do deslumbramento, agora com os editais de concursos que acenam com emprego garantido no serviço público. O que se estranha é que a prefeitura tenha demorado tanto tempo, na gestão de Cartaxo, para dar curso à realização desses concursos e, na sequência, à convocação de aprovados. Abstraindo o período eleitoral, em que era vedada a contratação de pessoal, salvo em situações excepcionais, houve tempo de sobra para que a gestão Cartaxo investisse em projetos e medidas de alcance social. Na vida pública, é preciso saber entrar, e saber sair. Luciano não está sabendo sair da prefeitura após oito anos de mando. Um exemplo de que o poder vicia?