Nonato Guedes
Quem estiver tendo a pachorra de acompanhar o noticiário sobre movimentos de bastidores para a sucessão no comando do Congresso Nacional já percebeu que o jogo converteu-se em batalha crucial para o Palácio do Planalto, especialmente a sucessão do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara. É questão de honra para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) interferir no desfecho da eleição, que compete aos integrantes do próprio colegiado parlamentar. A revista “Veja”, em Carta ao Leitor, na sua última edição, compara que a disputa que se ensaia é um dos mais dolorosos momentos da vida nacional nos últimos anos, algo como a escolha de um presidente da República. O Planalto tenta ampliar seus tentáculos, também, sobre a cadeira de Davi Alcolumbre (DEM-AP) no Senado, mas a emulação mais barulhenta é com o presidente da Câmara, pela cadeira que ele ocupa.
“Veja” traduz a significação e importância do momento histórico que o país está vivendo, lembrando que cabe ao Legislativo a decisão sobre inúmeros temas que poderão ajudar a economia a deslanchar em 2021, depois da tormenta do ano da pandemia do coronavírus. E afirma a revista: “Se forem eleitos, na Câmara e no Senado, nomes que abracem a agenda compulsória para fazer o Brasil crescer (privatizações, pacto federativo, reformas administrativa e tributária, entre outras), a retomada será inexorável. Empresas estrangeiras e nacionais canalizarão recursos para o país, fazendo a roda girar, com mais empregos e crescimento. Mas, caso os escolhidos atuem na direção contrária, garantindo privilégios e benefícios da corporação e obstruindo a pauta, haverá estagnação e miséria, como na vizinha Argentina, em colapso econômico e financeiro”.
O governo Bolsonaro aparentemente aposta suas primeiras fichas na escolha do deputado Arthur Lira, do PP-AL, para presidente da Câmara. Mas mantém-se atento a articulações de partidos de esquerda e até mesmo a insatisfeitos que integram a base oficial, prevenindo-se contra surpresas desagradáveis que venham a resultar em reviravolta espetacular. A cobiça no apoio da Câmara a matérias de interesse do governo tem conexão direta com o projeto pessoal de candidatura à reeleição, em 2022, por parte do presidente Jair Bolsonaro. Com um Congresso colaborativo, seu governo poderia fazer progressos e a própria imagem do mandatário cresceria junto à opinião pública. A dados de hoje, a imagem de Bolsonaro oscila em pesquisas de aprovação ou desaprovação do governo, o que cria margem antecipada de insegurança quanto a virtuais chances de reeleição, ainda que o pleito presidencial esteja bem distante no calendário.
Um episódio que pode ser contabilizado como vitória do Palácio do Planalto foi a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal de vetar a possibilidade de reeleição consecutiva dos atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A maioria dos ministros fez valer o entendimento de que tal manobra seria inconstitucional. Diz “Veja” que “foi, sem dúvida, uma sinalização robusta de que as conveniências políticas do momento não podem – jamais – se sobrepor à lei”. Mas é fundamental registrar que foi a partir do gesto do Supremo, decidindo de acordo com sua tradição e relevância, que Bolsonaro ganhou estímulo adicional para imiscuir-se numa briga que, em tese, deveria restringir-se aos próprios parlamentares. A intervenção de Bolsonaro no processo se explica pelo seu temperamento, propenso a palpitar em tudo, e à necessidade de “concluir o serviço”, elegendo o sucessor de Rodrigo depois de ter conseguido decapitar este da presidência de uma Casa extremamente proativa em situações de crise da conjuntura nacional.
A moeda de que se vale o Planalto para entrar nesse jogo é a mesma de que se valeram outros presidentes da República – o “toma lá, dá cá”, ou seja, o oferecimento de vantagens e cargos no governo para figuras do meio político que contribuam com a vitória do candidato do esquema oficial ou dos candidatos do esquema oficial. Trata-se de reedição da pratica do fisiologismo, que se espalha por Casas Legislativas de todo o país. A disputa pela chefia da Câmara e do Senado não envolve diretamente pautas institucionais relevantes para o país, mas acomodação de interesses fisiológicos de políticos que querem manter prestígio e se credenciar à disputa de postos mais elevados na hierarquia de poder no país. Por esse ritual é possível adivinhar o alto preço que Bolsonaro se dispõe a pagar para atender a caprichos de sobrevivência no poder, mas é forçoso reconhecer que ele não é pioneiro na estratégia fisiológica.
Em recentes declarações, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aludindo às reformas necessárias para o Brasil crescer, opinou: “É o presidente da República quem precisa liderar esse processo”. A revista “Veja” especula que se o governo sair derrotado do embate, o ambiente político e econômico tende a se deteriorar, diante da fragilidade oficial. Por isso, a publicação faz um lembrete ao Palácio, tão obcecado com o tema: a eleição de 2020 começa para valer em primeiro de fevereiro, com a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado. A indagação é simples: Bolsonaro passará no teste crucial?