Nonato Guedes
O homem público Cícero Lucena incorporou um feito relevante à sua biografia, ontem, ao ser diplomado pela Justiça Eleitoral, pela terceira vez, como prefeito de João Pessoa, dezesseis anos depois de ter exercido o Paço Municipal. Em paralelo com a celebração da conquista, legitimada nas urnas, em segundo turno e em pleito acirrado, o prefeito que em poucos dias volta ao Paço Municipal deu um exemplo meritório de firmeza de postura e de compromisso com a austeridade, uma das bandeiras empalmadas na campanha que o ungiu de volta ao comando do executivo pessoense: anunciou que não vai aplicar o reajuste aprovado pela Câmara de João Pessoa para os novos gestores e secretários do futuro período.
Cícero apontou como causa para não fazer valer o reajuste o momento de crise provocado pelos efeitos da Covid-19, lembrando a fragilidade das contas públicas e mencionando as dificuldades que serão ocasionadas por medidas tomadas pela atual gestão do prefeito Luciano Cartaxo (PV), no apagar das luzes, a exemplo da publicação de edital para realização de concurso público, cujos encargos ficarão sob a responsabilidade da futura administração. Na verdade, a decisão da Câmara de conceder reajuste ao futuro prefeito, vice-prefeito e secretários teve a pior repercussão possível junto a setores da sociedade, tendo mesmo sido considerada um gesto absurdo de insensatez e falta de espírito público. Afirma-se que a elevação da remuneração dos ocupantes de cargos executivos foi um biombo para tentar camuflar o próprio reajuste que os vereadores se atribuíram para a próxima legislatura. Alegou o vereador Milanez Neto que há oito anos os parlamentares mirins estão sem aumento. Não lhe ocorreu, todavia, registrar a defasagem salarial de servidores públicos, nem sensibilizar-se com o quadro de desemprego em geral que foi agravado pela pandemia do coronavírus.
Não se esperava outra atitude do prefeito Cícero Lucena, pela sua própria experiência e pela notória sensibilidade para com os problemas sociais, especialmente para com as demandas das camadas mais carentes da população pessoense. Ao mesmo tempo, ficou evidenciada na campanha eleitoral a tomada de consciência por parte do candidato Cícero Lucena dos desafios de grande dimensão que terão que ser enfrentados com prioridade absoluta tão logo ele esteja investido novamente no comando da prefeitura, com ações focadas, preferencialmente, no combate à calamidade de Covid-19, cujos tentáculos ameaçam se expandir a olhos vistos – aliás, já estão se expandindo, como deixa claro quase todo santo dia o secretário de Saúde do Estado, doutor Geraldo Medeiros. Mesmo com o tempo extremamente curto para planejar soluções e recorrer a providências, Cícero não tem fugido das suas responsabilidades com vistas a criar um cinturão de proteção diante do perigo dos reflexos do coronavírus.
Um exemplo da ofensiva proativa do prefeito eleito foi a audiência que já manteve com o governador João Azevêdo no Palácio da Redenção para o debate de estratégias conjuntas de articulação que contribuam para o deslanche, a partir de janeiro, de um programa cada vez mais consistente, destinado a redobrar a ampliação de leitos hospitalares, de equipamentos de unidades de saúde e de agilidade no atendimento a pacientes vítimas da epidemia que assusta e intranquiliza a população como um todo, inclusive diante das dimensões graves que vem alcançando. Este é o foco correto que se espera e se exige do governante eleito – e há o consenso junto a segmentos da sociedade de que as medidas de enfrentamento prosseguirão com eficácia redobrada, favorecidas pelas lições recolhidas até agora na difícil cruzada de combate à Covid-19 e, sobretudo, na formulação de diretrizes para preparar João Pessoa e a Paraíba para os próximos passos, em que se inclui a vacinação em massa que se anuncia para o próximo ano.
Diante de questões tão urgentes e essenciais, soa inegavelmente intempestiva a orquestração movida por vereadores, alguns dos quais, inclusive, não foram reeleitos, aprovando reajustes, despesas e toda sorte de “jabutis” para a próxima legislatura. O aumento de vencimentos em causa própria é um desses jabutis, e terá sido idealizado para “amarrar” os votos de políticos normalmente apegados ao corporativismo e aos privilégios pessoais. É forçoso reconhecer, mas os remanescentes da atual legislatura estão prestando um desserviço à população da Capital com tais iniciativas absurdas. Antes mesmo que o prefeito eleito anunciasse recusa aos privilégios, a ONG Instituto Projeto Público acionou a Justiça com ação popular para revogar ato que fere frontalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal. O Tribunal de Contas do Estado, por sua vez, alertou a Câmara sobre a ilegalidade do reajuste e pediu correção. Da parte de Cícero Lucena, há uma compreensão solar da gravidade do momento e, mais do que isso, há empatia, há solidariedade para com os que mais precisam nesta conjuntura tão problemática.