Nonato Guedes
A decretação, ontem, da prisão do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, faltando poucos dias para a conclusão do seu mandato, levou o deputado federal Marcos Pereira, do Republicanos (partido a que o prefeito é filiado) a verberar contra a alegada judicialização da política. O próprio Crivella, que, inclusive, não foi reeleito na disputa eleitoral deste ano, declarou-se alvo de perseguição política e atribuiu a privação da sua liberdade ao fato de ter contrariado interesses de grupos influentes à frente do governo municipal. Tudo balela. A corrupção na política é generalizada no Brasil já há alguns anos e, quanto mais avançam investigações de operações policiais e do Ministério Público, mais nítido vai ficando o Raio X do panorama que infelizmente envolve a vida pública brasileira..
O Rio, aliás, coleciona uma triste estatística negativa, traduzida numa informação simples: nos últimos quatro anos, sete políticos que ocuparam os cargos de governador ou prefeito da capital do Estado foram presos ou afastados do mandato. O último foi Wilson Witzel, do PSC, eleito para o governo do Estado em 2018. Em 28 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça determinou seu afastamento imediato por supostas irregularidades na Saúde Pública. Witzel estaria vinculado a um esquema criminoso que operou em plena pandemia do novo coronavírus, ainda provocando consequências avassaladoras no país e no mundo. Embora não tenha sido alvo de mandados de prisão, Witzel foi afastado sob acusação de corrupção em contratos públicos do Executivo fluminense. A titularidade do mandato foi assumida pelo vice-governador Cláudio Castro, PSC, enquanto demanda a tramitação das investigações.
Além de Witzel engrossam a lista de governadores acusados de corrupção no Rio Luiz Fernando Pezão, Sérgio Cabral, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Moreira Franco. Todos os governadores eleitos do Rio que ainda estão vivos foram presos ou afastados. Nilo Batista e Benedita da Silva, vice-governadores que ocuparam o cargo após a saída dos titulares, são os únicos que não respondem a processos judiciais. Witzel, inclusive, vinha adquirindo visibilidade nacional, mais por posturas políticas afirmativas ou independentes em relação ao presidente Jair do Bolsonaro do que por obras e realizações marcantes à frente do Executivo fluminense. Essa visibilidade foi suficiente para colocar Witzel no round de prováveis presidenciáveis para 2022. Com o desgaste que ele experimentou e a gravidade das denúncias formuladas, o governador de plantão perdeu espaço e luta para, pelo menos, reaver o comando do Estado do Rio.
Um levantamento do site Poder 360 fornece o histórico dos gestores do Estado do Rio complicados com corrupção ou irregularidades. Luiz Fernando Pezão, governador entre 2014 a 2018, foi preso em novembro de 2018 e condenado por abuso de poder político e econômico por conceder benefícios financeiros a empresas como contrapartida a doações para a sua campanha eleitoral em 2014. Sérgio Cabral, governador entre 2007 a 2014, foi preso em junho de 2017 e condenado em onze ações penais da Operação Lava Jato, com uma pena total de 233 anos e 11 meses de prisão. Está preso no Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Anthony Garotinho, governador entre 1999 e 2002, foi preso cinco vezes desde que deixou o cargo, contabilizando distintos tipos de acusações.
Garotinho é acusado por crimes de corrupção, concussão, participação em organização criminosa e falsidade na prestação das contas eleitorais. Responde aos processos em liberdade. Sua mulher, Rosinha Garotinho, governadora entre 2003 e 2006, foi presa em novembro de 2017 juntamente com o marido, por crimes eleitorais. Rosinha ficou presa por cerca de uma semana e foi condenada em janeiro de 2020, mas recorreu e responde ao processo em liberdade. Já Moreira Franco, governador entre 1987 a 1991, foi preso em março de 2019 em um desdobramento da operação Lava Jato, sob a acusação de negociar o pagamento de propina, no valor de R$ 1 milhão, à construtora Engevix em obras relativas à usina nuclear Angra 3. Permaneceu por quatro noites na cadeia e responde ao processo em liberdade. O Republicanos, partido de Crivella, é um dos aliados do governo de Bolsonaro. O próprio Crivella foi apoiado pelo presidente da República e sua família na tentativa frustrada de reeleição. A sigla, inclusive, abriga atualmente o vereador Carlos Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro, ambos filhos do presidente.
Houve um período neste país, quando a política passou a se misturar com a criminalidade, em que políticos acusados ou flagrados com “a mão na massa” culparam a imprensa por orquestração para tentar estigmatiza-los e, assim, prejudicar a sua imagem perante a opinião pública. Com o tempo, indícios foram se convertendo em provas, suspeitas ganharam foros de comprovação e evidências ficaram, por assim dizer, definitivamente mais do que evidentes. Agora, a moda é culpar o Judiciário e, em particular, o Ministério Público. De concreto, está se fazendo valer o que deveria estar valendo há bastante tempo: a Lei.