Nonato Guedes
O ano de 2020 foi tão angustiante para a Humanidade com a eclosão da pandemia do novo coronavírus que a sensação reinante entre a maioria das pessoas, às vésperas da sua despedida, é que já vai tarde. Não há, naturalmente, nenhuma certeza de que em 2021 seja tudo muito diferente – os analistas concordam que é cedo para formular essa expectativa, mas também não é absurdo emanar energias positivas para uma reviravolta favorável na vida das pessoas, em todos os aspectos. Afinal de contas, a vacinação já começou nos Estados Unidos e na Europa e está em fase avançada no Brasil, apesar da postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro, que contraiu a Covid-19 mas entrou para a antologia das bobagens históricas ao afirmar que tudo não passava de uma “gripezinha” e desdenhar, o tempo todo, da gravidade do coronavírus e das mortes causadas.
Ontem, o consórcio de veículos de imprensa divulgou novo levantamento da situação da pandemia no Brasil, indicando o registro de 1.075 mortes nas últimas 24 horas, chegando ao total de 192.716 óbitos desde o começo da calamidade. É o maior número de óbitos registrados em um só dia desde 15 de setembro, o que pode estar relacionado a dados represados do feriado de Natal. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos sete dias foi de 633.Até 2020, pouca gente tinha ouvido falar de Wuhan, importante centro comercial na China central, vizinho à monumental represa das Três Gargantas. De repente, como informa a revista “Veja” em retrospectiva, todas as atenções se voltaram para a cidade – ela cravou neste ano um infeliz lugar na história por ter se tornado o berço da pandemia que viria a pôr o planeta do avesso. Foi em Wuhan que o novo coronavírus se instalou no organismo humano pela primeira vez, por meados de dezembro, talvez até antes, mas o incômodo invasor foi empurrado pela censura política para debaixo do tapete e só se tornou drama no fim de janeiro, quando ficou impossível ignorar sua existência. A essa altura, ceifava vidas em séries nas casas, nos hospitais, até nas calçadas da cidade esvaziadas pelo pânico.
A ciência sustenta que o vírus saiu provavelmente de um morcego, infectou um homem em um mercado insalubre e daí se espalhou. O contraponto de toda a tragédia foi que nunca na história da medicina houve tamanho empenho para o desenvolvimento de vacinas e remédios em relação a uma única doença. Com um investimento global estimado em 20 bilhões de dólares, 18 imunizantes contra a Covid-19 chegaram à fase final de elaboração em menos de um ano. O Brasil participou ativamente, em especial com os trabalhos de dois centros de referência – o Instituto Butantan, em São Paulo, em parceria com o laboratório chinês Sinovac, e a Fiocruz, no Rio de Janeiro, com o produto da anglo-sueca AstraZeneca. A engrenagem global montada envolveu as agências internacionais de controle de saúde, tradicionalmente burocráticas, que, desta vez, aceleraram o passo para avaliar os dados oferecidos pelos laboratórios, em tempo de aprovação recorde. A última pandemia de que se tinha notícia no Brasil foi a da chamada “gripe espanhola”, que matou um presidente da República, Rodrigues Alves, nos primórdios da implantação do regime republicano no país. Detalhe curioso é que a gripe espanhola não era originária da Espanha.
Diz em editorial a revista Veja: “Alguns anos são tão intensos que se tornaram marcos na história da humanidade. Foi assim, por exemplo, em 1968, em que foi “proibido proibir”, a temporada das grandes manifestações de rua, do grito pelos direitos civis e pela liberdade sexual das mulheres. Foi assim em 1989, para ficarmos apenas no século XX, com a avalanche de derrocadas dos países-satélites da União Soviética, depois da queda do Muro de Berlim. Por seu aspecto trágico e pelo impacto gerado na vida de bilhões de pessoas, o ano de 2020 fará parte desse grupo. Ele termina com a triste contagem de mais de 1,7 milhão de mortes em decorrência da Covid-19. Com uma intensidade inédita, a pandemia fez ruir as economias ao pôr as populações inteiras dentro de casa, em quarentena. Reinventou também o trabalho, levado a reuniões por videoconferência, e os relacionamentos, ao forçar o distanciamento social”. A revista exibe frascos de medicamentos como símbolos do início da vacinação no exterior e os apresenta como “frascos de esperança”. É a mais perfeita tradução da realidade.
O ano atípico de 2020, como se convencionou qualificar na mídia, registrou episódios emblemáticos e profundamente marcantes como consequência das rígidas medidas impostas para manter sob controle a calamidade. Um desses emblemas foi a Praça de São Pedro imensamente vazia, realçando-se em destaque apenas a figura do papa Francisco, entoando preces e espargindo bênçãos para o mundo. Na sua fisionomia estava estampado o peso da impotência que, no começo, sacudiu a Humanidade diante da eclosão do coronavírus. A manifestação de fé do Pontífice foi um alento indescritível, difícil de dimensionar com palavras, para milhares de cristãos em todo o mundo. Conclui o editorial da “Veja” que o caminho do bom senso deve sempre prevalecer – e é o que se espera de 2021, ano que se inicia ainda à sombra da pandemia, mas agora com a luminosa estrada aberta pelo tão aguardado frasco de vacina. Em meio aos círculos em torno dos quais a Humanidade gira, há luz no fim do túnel, e é isto o motor que impulsiona a travessia para conquistas desejadas depois de tanto sofrimento em tão pouco tempo.