Nonato Guedes
Tem ficado evidente, nas negociações de bastidores para a sucessão à presidência da Câmara Federal, que a pressão para ser pautado o processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro é uma moeda de troca discutida, sobretudo, com o candidato do bloco oposicionista, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que enfrenta no páreo o deputado federal Artur Lira (PP-AL), detentor da simpatia do capitão-mandatário. Os adversários do governo Bolsonaro não escondem a frustração com o presidente atual da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que resistiu a todas as insinuações nesse sentido, alegando que não desejava perturbar a ordem democrática nem dar pretextos para confrontos que apenas agravariam a conjuntura de crise sanitária acarretada pelo novo coronavírus. Da parte do candidato carimbado com o selo bolsonarista, parece não haver espaço para sequer debater a tese, por mais que ele apregoe estar aberto à discussão de quaisquer problemas de interesse nacional.
Para além das versões construídas por Rodrigo Maia para lastrear a sua narrativa de defesa própria diante dos pedidos de impeachment, colocando-se como fiador da estabilidade democrática, sobressai a constatação de que pelo menos 51 requerimentos apresentados em 2020 foram solenemente ignorados, “congelados” e finalmente engavetados. Se foi alguma manobra de Rodrigo Maia para não atiçar a ira do Planalto contra seu projeto de reeleição, a estratégia foi inócua. Nos bastidores, o presidente da República e seus aliados mais confiáveis operaram para dificultar os passos de Rodrigo com vistas a conseguir um novo mandato, examinando nomes capazes de derrotá-lo ou fórmulas que atalhassem um virtual crescimento da pretensão do atual dirigente da Câmara. Essa operação de guerra acabou sendo desnecessária, já que o Supremo Tribunal Federal, de forma terminante, barrou a recondução, tanto de Rodrigo para presidir a Câmara, como de Davi Alcolumbre, para continuar dirigindo o Senado.
O fato é que o cenário atual comporta duas candidaturas definidas – as de Arthur Lira, pela coalizão governista, e a de Baleia Rossi, pelo bloco oposicionista. Rodrigo Maia encerra sua Era no comando da instituição e continuará no exercício do mandato parlamentar, podendo, ou não, se projetar daqui para a frente. O mesmo vale para Davi Alcolumbre, que, por estar próximo do presidente Jair Bolsonaro, tem seu nome cogitado para ocupar um ministério no governo, o que manteria seu prestígio político, retirando-o do ostracismo a que parece condenado sem dispor de um trunfo importante como a presidência do Senado Federal. No que diz respeito ao processo de impeachment de Bolsonaro, é fora de dúvidas que o Partido dos Trabalhadores é o mais interessado em viabilizar o afastamento do capitão. Há um forte sentimento de revanchismo, que se sedimentou com o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão doex-presidente Lula da Silva e a derrota de Fernando Haddad para Bolsonaro nas eleições de 2018.
Independente das questões pessoais ou de outras idiossincrasias, o PT está convencido de que há provas robustas de irregularidades praticadas pelo presidente Jair Bolsonaro que fundamentariam um processo de impeachment. Um dos exemplos sempre mencionados tem sido a postura negacionista adotada pelo mandatário em relação à pandemia do coronavírus, o que teria dificultado ações mais concretas e eficazes para enfrentamento da calamidade sanitária. Além do mais, supostas conexões de Bolsonaro com escândalos envolvendo familiares e figuras de destaque no seu governo endossariam o debate preliminar da tese do afastamento do presidente da República, associadas a fatos graves remanescentes da campanha eleitoral de 2018. O PT se põe na linha de frente da orquestração para agitar o impeachment na Câmara porque pode vir a representar o fiel da balança na decisão sobre a presidência da Casa. Daí o interesse em saber se Baleia Rossi avaliaria os possíveis pedidos de impeachment.
De acordo com a revista ”Istoé”, Baleia Rossi não bateu o martelo na questão mas emitiu sinais de que se mostra flexível ao debate a respeito. O Partido dos Trabalhadores, para alguns analistas, não teria muita margem de negociação em meio a essa conjuntura, tendo em vista que ficar fora do grupo que irá apoiar o dirigente nacional do MDB pode fortalecer o candidato de Bolsonaro, dentro da lógica de que não há espaços vazios na atividade política. “A responsabilidade de deixar um político do Centrão, devidamente controlado pelo presidente da República, ser eleito, não parece ser um fardo que o PT queira carregar”, informam fontes que estão acompanhando o desenrolar das articulações. Mesmo integrando o bloco de 11 partidos lançado em torno da candidatura de Baleia Rossi, o PT e o PSB ainda enfrentam resistências internas para apoiar o líder emedebista. As duas legendas reúnem 84 deputados. Há setores que ainda defendem, dentro do bloco, que se tenha uma candidatura própria do campo de oposição, e outros setores defendem o apoio imediato a Baleia Rossi.
Nomes para candidatura própria pela oposição a presidente da Câmara já pipocam, como os da deputada Benedita da Silva (RJ) e do ex-líder Paulo Pimenta (RS).Independente de preferências, o que precisa nortear a postura do bloco adversário de Bolsonaro é a habilidade para não favorecer espaços de articulação que permitam ao presidente da República passar como um trator por cima dos comandos nas Casas Legislativas e, a partir daí, tentar transformar Câmara e Senado em palcos de subserviência às suas diretrizes ou às suas ideias nem sempre politicamente corretas.