Linaldo Guedes
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Considero a poesia de Rodrigo Garcia Lopes bem épica. Digamos que é um épico de nosso tempo. Essa impressão se confirma em “O enigma das ondas” (Iluminuras, 2020), livro com forte carga narrativa em seus versos. Por mais que o autor busque mão, em vários momentos, dos recursos inventivos ou líricos, é o tom narrativo que predomina na maioria dos poemas desta obra, a sétima do poeta, dividida em quatro partes, onde traça um painel, através da linguagem poética, do que estamos vivenciando no mundo.
Vejam, por exemplo, a primeira seção do livro, intitulada “língua”, onde o forte é a linguagem em todas as suas dimensões e a musicalidade, outra característica marcante em sua poética. Isso se apresenta logo no primeiro poema do livro – “Aéreo reverso” -, construído a partir da palavra surfista, em analogia com o próprio fazer poético. Ler este poema é como se estivéssemos vendo um praticante do surf atravessar ondas gigantescas até desembocar na praia. Só que aqui o mergulho não é no “tubo”, uma das principais manobras do surf, mas na própria linguagem poética. Assim, “as sílabas ficam invisíveis enquanto atravessam o tubo” e o leitor vai visualizando a manobra do poeta na espacialidade da página.
É de sentenças literárias a poesia dessa seção. Afirmativas e irônicas, como em “Pós-verdade”, a falar do Ego poético em um dia que é mero fake news. São as ilusões poéticas, não? Para Rodrigo Garcia Lopes o mundo passa pela janela da palavra e isso nos basta. Em “Soneto ao Sol” faz uma homenagem bem rodriguiana ao mais tradicional estilo de fazer poesia. Barroco, diz:
“Seu beijo dura um só segundo,
A tempestade, só um minuto,
Mas meu amor é tão antigo
quanto as pirâmides do Egito”.
Em “Haute cuisine” é irônico, ao dizer que vende-se um “Poema limpinho, recatado, do lar”. Sim, aqui, Rodrigo fala daquele poema que “Não fede nem cheira/ Sem susto nem substância/ Recheado de clichês”. Não é o mais que temos nesse mundo, onde poetas buscam “Os 15 minutos de Andy Warhol”? É na ironia que sua linguagem bebe em diversos poemas dessa seção, como em Paradoxo de Maximus:
“Quando imitava os grandes mestres
era quando ele
era mais
ele.
Agora que diz
ter encontrado sua voz
virou uma péssima
imitação de si mesmo”.
A segunda parte do livro – Pandemonium – é toda ela dedicada ao atual momento em que estamos vivendo, afetados pela pandemia do Coronavírus, que confina seres em medos e vaidades. Desta feita, o tom é de crítica mesmo e o poeta não poupa ninguém, quando fala de “tempos de golpe, de vacas magras, de trevas”, a perguntar “Quem vai herdar nossa miséria”, a constatar “o papa rezando na São Pedro deserta” e “um mundo inteiro em stand by”, a cuspir nas “imagens de mendigos,/ clichês batidos”. Afinal, “Chegamos tarde para a morte/ e muito cedo para a vida”, porque “Vai ver a paixão/ seja algum lugar que se perdeu”. Ou, como diz no belíssimo “Sextina: o Dia da Marmota”: somos prisioneiros do presente. E o presente não é afetuoso, pois nos mostra que “No fim o desembargador era o chefão de uma milícia assassina” e “o coronel torturador ganha mais uma homenagem”.
Na terceira parte do livro – loci – dá vez e voz a lugares. De todos os quadrantes. Por saber que os “Pedaços de reboco da lua/ Despencam e ressoam no oceano.” E que as pessoas desaparecem graças ao mágico de Chicago. Mas a viagem tem que continuar, com Lady Pureza sozinha em casa, vendo fotografias antigas, reflexos de um mundo pós-guerra tentando ser lírico: “Por um minuto/ pensei ser meu pai/ voltando pra mim”, diz em “Polônia, 1945”. Em “Simultaneidades” fala de um lugar que nunca envelhece” e em “Sextina” da vontade de se tornar um duplo do outro. Ou dele mesmo?
A quarta e última parte – mentis – é o canto da mente que ressoa nas páginas. Neste sentido, vale a utopia de uma manhã linda, “longa, para nós somente”; de imaginar que “Quando o som era apenas som/ e o sentido ainda não fazia sentido/ tudo o que tínhamos era o mundo”; de buscar o erotismo em “Pétalas abertas/ como dedos exímios ou coxas/ de uma antiga gueixa”; de alucinar-se ante o “efeito/ de uma droga poderosa:// você mesmo”.
É isso. A poesia de Rodrigo Garcia Lopes é uma droga poderosa para quem entende poesia como a simbiose entre linguagem e conteúdo. Uma poesia cheia de “Minilagres” (que belo e lúdico este poema) a mostrar que a língua que fala as ondas é a nossa. Não há como não se viciar nesta poética.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.