Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro passou recibo publicamente, em conversa com apoiadores, da gravidade da situação do Brasil, ao admitir a apoiadores que o País está quebrado e confessar que ele não consegue fazer nada (ou não sabe fazer nada) para reagir a esse estado Foi uma referência, naturalmente, ao vasto contencioso que está no colo do mandatário e que passa pela falta de alternativas para o prosseguimento do combate ao coronavírus, bem como pelo impasse que o governo vive diante da grave crise econômica e social, que só fez se acentuar com os reflexos colaterais derivados da epidemia. Crise sanitária misturada com crise econômica-social são fatais, corrosivos, para qualquer governo, sobretudo para os que se ressentem de planejamento adequado para o enfrentamento de problemas de dimensão.
Para piorar as coisas, Bolsonaro insiste no surrado expediente de terceirizar responsabilidades, de identificar bodes expiatórios para se safar de maiores cobranças diante de desafios sem precedentes que talvez jamais tenha imaginado para a sua gestão. O alvo predileto do capitão reformado – adivinhem quem é – não poderia deixar de ser a imprensa, que “atrapalha” os passos do presidente por mostrar que o rei está nu e que o seu governicho não está à altura das expectativas ocasionadas na sociedade. Exasperado, Bolsonaro chegou ao ponto de qualificar a mídia como “sem caráter”, invocando o pretexto de que há um trabalho incessante para tirá-lo do cargo e para atender a supostos “interesses escusos” de grupos. Bolsonaro agita o fantasma do impeachment para tentar recriar um ambiente de confronto, de radicalização, semelhante ao que desfrutou na campanha eleitoral de 2018. É a estratégia típica de quem não tem nada a oferecer, em termos de resultados, e investe na fórmula de desviar a atenção da opinião pública para os verdadeiros problemas nacionais.
Vale a pena referir trechos de comentário abalizado de Leonardo Sakamoto no UOL a respeito de todo esse quiproquó que Bolsonaro alimenta para se escafeder de obrigações ou responsabilidades, de deveres constitucionais para com o povo brasileiro. “Antes de mais nada – pondera Sakamoto, didaticamente, é importante ressaltar que um presidente da República é eleito para garantir qualidade de vida à população brasileira e não para combater fantasiosas “mamadeiras de piroca”, lutar contra inexistentes conspirações de vacinas que transformam humanos em jacarés ou usar o cargo para proteger a família e os amigos. Se ele analisa que não é capaz de cumprir a exigência do cargo que ocupa, tirando o Brasil do atoleiro, o mais justo e honrado a ser feito é renunciar e dar lugar a quem saiba. A função da imprensa em uma democracia é fiscalizar o poder público. Destaque-se que todo político tem direito ao livre espernear. Bolsonaro, porém, vai além e ataca sistematicamente o jornalismo e os jornalistas que não o chamam de “mito”.
No diagnóstico de Sakamoto, a declaração é mais um capítulo do “mimimi” que Jair Bolsonaro utiliza para animar a tropa (ou o gado) e distrair o resto do que realmente importa. Bolsonaro não assume responsabilidades, exceto quando algum gesto, alguma medida, possa lhe beneficiar. Ainda por cima, cada vez mais demonstra que o único projeto sólido é o da própria reeleição em 2022 – e ele se angustia ao perceber que não há mais recursos para bancar o auxílio emergencial, improvisado emergencialmente para acudir trabalhadores em situação de extrema vulnerabilidade durante o período da pandemia da Covid-19. Em paralelo, vai rareando cada vez mais o apoio popular ao presidente da República, exatamente pela ausência de perspectivas. O plano nacional do Palácio do Planalto para articular diferentes atores da federação a fim de combater o coronavírus e adquirir vacinas antecipadamente em número suficiente para salvar vidas e proteger a economia tinha, conforme Sakamoto, o mesmo número de páginas do seu plano nacional para gerar empregos formais e proteger direitos: zero.
– Todas as energias são usadas para garantir que ele (Bolsonaro) e sua família continuem no poder, de preferência impunes, no que diz respeito a filhos que exercem mandatos parlamentares e estão enrolados em esquemas de “rachadinhas” e outras irregularidades que demandam processos em tramitação nas esferas judiciais, ainda na fase de investigações, podendo evoluir para cenários imprevisíveis ou até mesmo apocalípticos. “Diga-se, ainda, que sempre que encontra uma brecha, Bolsonaro empenha-se em tentar lapidar o país à sua imagem e semelhança nas pautas de costumes e de comportamento”. Além das vidas perdidas, Bolsonaro ajudou a detonar empregos. O presidente não tem vocação para estadista, não tem perfil de liderança e é um desagregador por excelência. “Como sua natureza beligerante o torna incapaz de coordenar o país em prol de um objetivo comum, ele não preparou o Brasil para a mais importante guerra de sua história”.
A impressão que reina de tudo isso que está acontecendo é a de que o presidente abraçou o inimigo, o coronavírus, defendendo que a melhor forma de pará-lo é deixando que ganhe. Se não tivesse jogado contra as quarentenas, elas teriam sido ainda mais efetivas e o país poderia ter retomado uma vida quase normal ao menos por um período de tempo. E arremata Sakamoto: “Foi ele, portanto, que ajudou a quebrar o país, deprimindo a economia e ceifando empregos”. E, ainda por cima, insistindo numa postura negacionista quanto à gravidade do coronavírus que já tornou o Brasil motivo de chacota no plano internacional. “Bolsonaro agora vende miragens, contando que o povo coma ilusões”, vocifera Sakamoto.
A tática de agora pode ser assim traduzida: ao invés de apresentar um projeto decente de vacinação, Bolsonaro fomenta na população a descrença na efetividade e segurança na vacina de forma a reduzir a demanda por ela – já são 22% que não querem se vacinar. Na prática, quem é rico vai acabar indo para a rede privada e quem é pobre e não é do grupo prioritário terá que contar com a própria sorte. Para Sakamoto, o Brasil “se afunda cada vez mais em desigualdade. A desigualdade que dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e a outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração e leva à percepção de que o poder público existe para servir para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições, o que ajuda a explicar o momento que atravessamos hoje”.
Uma lástima!!!