Nonato Guedes
Uma característica tem sido marcante nestes primeiros dias da terceira gestão do prefeito Cícero Lucena (PP) à frente dos destinos de João Pessoa: a não exploração de tática revanchista em relação ao antecessor Luciano Cartaxo (PV), que reinou por oito anos na Capital paraibana. O alcaide que retornou ao Centro Administrativo consagrado pela fama da experiência adquirida em mandatos anteriores procura agir com rapidez na solução das demandas mais urgentes, tentando corresponder à confiança que lhe foi depositada na campanha eleitoral do ano passado. Isto não significa passar pano para a “herança” deixada por Cartaxo – refletida, aqui e acolá, em lacunas, imprecisões e sinais de “maquiagem” em obras ou serviços executados de última hora, na pressa de quem se despede e quer deixar marcas indeléveis da passagem demorada no executivo municipal.
Cícero já questionou, por exemplo, a alegada reforma que teria sido deflagrada no apagar das luzes da administração passada no chamado “Trauminha” de Mangabeira, hospital de referência dentro e fora da Grande João Pessoa. Como se sabe, o “Trauminha” ficou fechado por longo tempo, abandonado e desasssistido devido à incúria e insensibilidade da gestão anterior, que não avaliou adequadamente a sua importância, sobretudo como suporte de atendimento à população nestes tempos de emergência ditados pela calamidade da pandemia de coronavírus. O resultado é que um hospital-referência que foi inaugurado remotamente por Cícero quando prefeito está, praticamente, tendo que ser reinaugurado – ou, mais do que isso, reconstruído para fazer face às novas exigências da realidade do ano de 2021. Todavia, não houve, até agora, em declarações ou entrevistas, referência explícita, ostensiva, a aspectos vulneráveis da Era Cartaxo. A nova gestão está atento e cobrará responsabilidades quando forem imperiosas, mas está focada em gerir o contencioso, ou, a “herança”.
É preciso levar em conta, por questão de justiça, que o tempo foi exíguo demais entre o fim do processo eleitoral, que teve de ser adiado nacionalmente por causa da crise sanitária, e a fase de transição, aquele período em que os novos gestores, independente de já terem ocupado cargos executivos, têm que ser informados minuciosamente sobre a radiografia da cidade-capital da Paraíba, uma das mais antigas cidades do país. Da parte de Luciano Cartaxo houve manifestação pública de boa vontade para facilitar a transição, mas isto não impediu que vazassem insatisfações diante de informações incompletas sobre pontos cruciais que os novos representantes do povo no poder têm que equacionar. A transição que se efetivou foi, por assim dizer, cosmética, superficial, se comparado o marco de quase uma década de atuação da equipe pilotada por Luciano.
Em situações assim, gestores têm que se cozinhar nas próprias banhas, munir-se de informações adicionais ou complementares, até mesmo de vazamentos anônimos sobre pontos vulneráveis que demandam equacionamento ou contestação para que possam assenhorear-se do controle da problemática que caiu nos seus colos. A eclosão da pandemia do coronavírus agudizou, inclusive, o sentimento de cobrança que é latente junto a setores da população por transparência em relação às contas públicas, à correta aplicação do dinheiro arrecadado e, em paralelo, o cumprimento de metas apregoadas a céu aberto na campanha eleitoral. A responsabilidade do prefeito Cícero Lucena torna-se redobrada, tanto mais, em virtude do desafio que ele se atribuiu de comandar a melhor de todas as administrações que teve a oportunidade de empalmar na Capital pessoense.
Da parte do ex-prefeito Luciano Cartaxo e de interlocutores qualificados, massificou-se antes, durante e depois da campanha eleitoral, em que a candidata Edilma Freire (PV) não logrou, sequer, avançar para o segundo turno, que a administração em vias de conclusão preparava-se para deixar uma situação equilibrada como nunca teria ocorrido na história recente da atuação do poder público municipal em João Pessoa. Houve muito de ufanismo nesse prognóstico – mas deu-se crédito à versão largamente espalhada pela própria ex-secretária da Educação, Edilma Freire, de montante vultuoso de recursos que Cartaxo estaria legando para aplicação por parte do sucessor. A lavagem cerebral a respeito impediu que se fizesse um debate mais racional sobre a rubrica específica de montantes alardeados e, também, sobre razões pelas quais a gestão de Cartaxo praticamente deixou intocado esse “tesouro”, contentando-se, no adiantado da hora, em entregar ao povo bosques, praças e obras decorativas sem maior dimensão para uma Capital em processo de amplo crescimento.
Cícero tem evitado acionar o retrovisor por uma questão de estilo: na campanha eleitoral propriamente dita, não se valeu dele para produzir ataques a quem quer que seja. Discutiu propostas para o seu terceiro mandato e procurou exaurir o confronto sobre os complexos problemas da situação pós-pandemia, no bojo de uma crise econômica que afastou investidores, paralisou atividades, fechou postos de trabalho e agravou o desemprego em proporções estratosféricas. Quem quer que fosse eleito para administrar a Capital na conjuntura à vista tinha consciência de que iria encontrar uma cidade quase arrasada no contexto geral devido à inação em obras pontuais e à terra arrasada provocada pelos efeitos malignos da Covid-19 na vida da população. Ninguém pode se queixar de desconhecimento ou de ignorância a respeito dos encargos que lhe estavam reservados em caso de coroação pelo eleitorado nas urnas.
A aposta de Lucena, a par de iniciativas que já tinha encaminhado desde que foi anunciado como eleito no segundo turno, continua sendo na parceria com o governo do Estado, que tende a se estreitar maciçamente, graças à coligação firmada entre ele e o governador João Azevêdo (Cidadania) no pleito que registrou número recorde de candidaturas. Ainda ontem, estava agendada uma visita do próprio governador João Azevêdo à sede da prefeitura municipal da Capital para concertação de novas estratégias conjuntas, não somente de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, mas no que diz respeito à execução de obras e a investimentos que precisam ser direcionados com urgência urgentíssima para conciliar a solução da crise econômica, que é grave, com a luta para manter sob controle a proliferação da Covid na Capital do Estado.
Há condições objetivas extremamente favoráveis para um deslanche de ações administrativas dentro de João Pessoa como nunca se viu nos últimos dez anos, em que faltou entrosamento entre governo do Estado e prefeitura municipal. Por outro lado, a experiência confere ao prefeito Cícero Lucena destreza para encontrar as soluções apropriadas para problemas que atormentam a vida da população. Parece indiscutível a existência de vontade política entre governantes nesta fase excepcionalmente dramática que a Paraíba vive. No dizer do ex-governador Tarcísio Burity, um dos administradores mais marcantes do Estado, havendo vontade política, mais de meio caminho terá sido andado, com certeza, para a consecução de metas que “pareciam impossíveis, até serem feitas”, como acentuava o ministro José Américo de Almeida. Então, mãos à obra, pé na tábua e transparência em tempo integral.