Nonato Guedes
A evocação do aniversário de nascimento do ex-ministro José Américo de Almeida no próximo domingo, dia 10, traz à tona toda a trajetória de influência marcante do ilustre paraibano de Areia, nascido em 1877, no cenário político-literário nacional e, em especial, na Paraíba, Estado que governou e em que vivenciou embates memoráveis que o consagraram como fino cartunista dos costumes e tradições do nosso povo. O autor de “A Bagaceira”, que revolucionou a literartura regionalista no país, servindo de parâmetro para a consolidação de um estilo que revelou nomes destacados da intelectualidade, teve, também, papel exponencial nas eleições indiretas para governador do Estado, no período de exceção instaurado a partir de 1964, com a ditadura militar. José Américo lutou para que a democracia fosse preservada, postura coerente para quem contribuiu para derrubar o Estado Novo de Getúlio Vargas e desmoralizar a censura institucionalizada que afetava segmentos pulsantes do pensamento nacional.
Da tríade dos governadores indiretos ou “biônicos”, no jargão popular, indicados para a Paraíba, tanto Ernani Sátyro como Ivan Bichara e Tarcísio Burity tiveram o aval decidido e decisivo de José Américo de Almeida, que então se manifestava por ser consultado por chefes militares preocupados em manter a aparência mínima de regularidade institucional num processo em que, sabidamente, a regra era a exceção, consubstanciada no arbítrio e na supressão do voto popular, pelo menos para mandatos executivos. Confrontado com resistências de grupos políticos paraibanos a Sátyro, devido a rivalidades locais, o ministro José Américo deixou claro que a vez era de Ernani Sátyro, “um político militante, com serviços prestados ao país e à Paraíba, em fases difíceis da sua vida republicana”. Além do mais, “revolucionário de primeira hora”, denominação que se dava a quem se alinhou à nova ordem imposta com a deposição do governo de João Goulart.
Afloraram disputas e pretensões no processo de sucessão de Sátyro, e, novamente, assanharam-se forças e grupos políticos distintos, na Paraíba, pressurosos em influenciar na batida do martelo pelo Palácio do Planalto, de onde emanavam as decisões e os “ungidos”. Aliados do esquema liderado pelo ex-governador João Agripino Filho pugnavam, por exemplo, pela sagração do nome de Juarez Farias, técnico qualificado, ex-vice-governador do Estado, mas outros interesses entraram em pauta, tornando difícil o consenso e rumoroso o “caso da Paraíba”, como era tratado na imprensa nacional. A secretária particular de José Américo e testemunha de episódios históricos de magnitude Maria de Lourdes Luna, já falecida, contou, em livro, que Ivan Bichara Sobreira, sendo da família e tendo sido braço direito do velho tio em pleitos ao Senado e governo, ganhou a preferência do ministro para ascender ao Palácio da Redenção, dentro da análise de que tinha qualidades indispensáveis para tanto, como inteligência e retidão de caráter. E assim se deu.
O passo seguinte foi a opção de José Américo pelo professor Tarcísio Burity, fechando o ciclo das escolhas indiretas na Paraíba. Nesse episódio cristalizou-se novo impasse que evoluiu para a radicalização, opondo Antônio Mariz a Milton Cabral. Emissários do governo federal como Petrônio Portela e Armando Falcão sondavam o ministro José Américo sobre tendências que pudessem ser absorvidas pelo chamado “sistema” em relação à conjuntura do nosso Estado. Numa das conversas, José Américo indagou quais os critérios do sistema para fixar-se num candidato. Falcão respondeu que, além de exigências de praxe, associadas à integridade de conduta e méritos para administrar, somava-se outra: “um cidadão simpático ao povo, de tal forma que se a eleição fosse direta ele seria o vencedor”. A definição parecia encaixar-se no perfil de Antônio Mariz, que tinha lastro popular, não obstante enfrentasse defecções dentro da Arena, partido de sustentação do regime. A guerra tornou-se cruel, porém, com a homologação, em convenção, do nome de Milton Cabral. De forma sutil e habilidosa, José Américo mexeu os cordéis e Burity acabou sendo o “tertius”, acolhido pelo Planalto.
Citado pela imprensa sulista como “obscuro professor universitário” e pela imprensa local como neófito na política, Burity acabou surpreendendo a Paraíba como uma revelação, tanto no mister político como na administração pública. Retornou ao governo do Estado pelo voto do povo, em 1986, derrotando Marcondes Gadelha por diferença de quase 300 mil votos, e ainda hoje é referência de probidade e de ousadia empreendedora à frente dos destinos do Estado, concebendo realizações de porte e tomando atitudes corajosas que o colocaram na linha de frente dos governadores na proposta de uma Constituinte e na defesa da própria eleição direta a presidente da República. Burity exerceu, ainda, mandato de deputado federal, não logrando, porém, ascender ao Senado, sina que alcançou outros ex-governadores.
José Américo, a “legenda política por excelência”, não teve tempo para acompanhar a ascensão de Burity no cenário político estadual nem a guinada de posições que este assumiu, colocando-se na vanguarda de fatos que já reverberavam para a própria conjuntura institucional brasileira, exemplos das discussões sobre eleição direta para presidente, que foi restaurada em 1989, decretação de anistia a cassados e outros punidos por razões políticas pela ditadura militar e, finalmente, liberalização do regime nas suas variadas vertentes. O ministro morreu em 1980, um acontecimento que obviamente gerou profunda comoção nacional em segmentos da sociedade junto aos quais conquistara prestígio como ministro da Viação e Obras Públicas ou como candidato a presidente da República, além da projeção como intelectual de escol. A dados de hoje, é possível sentenciar-se que José Américo era insubstituível, o que corrobora as opiniões que o retratam como ser especialíssimo na história da Paraíba e do Brasil.