Nonato Guedes
Um ensaio-reportagem do site “Congresso em Foco”, com assinaturas de Sylvio Costa, André Sathler e Ricardo De João Braga, lembra, oportunamente, que 2021 abre a segunda metade do governo Bolsonaro, cuja sucessão deve movimentar muito da política em Brasília. “Contudo, a abdicação do ato de governar (por Bolsonaro) deve manter o Congresso e a pauta legislativa sem rumos claros e sem ímpeto para enfrentar as grandes questões nacionais”. O texto sugere que crises tendem a levar o país a “gambiarras”, enquanto a fragmentação e a dispersão de iniciativas darão a tônica dos trabalhos no Legislativo. Entra em nova fase o calendário da sucessão presidencial, renovam-se os dirigentes da Câmara e Senado e pairam no ar especulações sobre possível reforma ministerial, fruta típica da estação.
Em paralelo, as dificuldades avolumam-se, a partir do problema maior – a persistência da calamidade do coronavírus, que pode ser atenuada pela perspectiva de imunização em massa. Do ponto de vista da sucessão legislativa, principalmente na Câmara, o cenário é de racha nas forças políticas, bem como uma “nada auspiciosa aglutinação à base de fisiologismo”. O quadro fiscal precário, conforme o “Congresso em Foco”, exige ações fortes e elas hoje são tíbias ou ausentes. O projeto econômico hiper liberal alardeado em 2018, enquanto isso, é apenas uma fotografia na parede. E declarações do presidente e seu chanceler, condescendentes com a invasão do Capitólio, nos EUA, e com a fantasiosa versão de fraude nas eleições presidenciais americanas, prenunciam um nível de tensão idêntico ou superior ao que foi verificado em 2020.
O ensaio-reportagem alerta que uma coisa é governar, outra vencer eleições, e diz que Jair Bolsonaro dedica-se incansavelmente à segunda atividade enquanto negligencia a primeira. A estratégia do presidente seria dividir para conquistar – e, de fato, uma reeleição de Bolsonaro é provável. Em seus cálculos para o futuro ele conta com uma base ideológica radical e unida, a possibilidade de ter como antagonista em 2022 o rejeitado PT e a expectativa do apoio alugado pelo Centrão – talvez ainda, quem sabe, um recall pelo auxílio emergencial ou mesmo a sobrevivência do benefício e a fidelização das massas. Fora do círculo de poder que orbita em torno de Bolsonaro, porém, as expectativas para 2022 não são otimistas.
“Apesar das percepções dos líderes parlamentares de aumento das chances de avançar com as reformas, inevitáveis processos de ajuntamento e dispersão, um governo pouco operante e sem rumos administrativos claros, podem contribuir para uma baixa produção legislativa relevante”, endossa o site “Congresso em Foco”. Destaca-se que Bolsonaro mostra uma estratégia inovadora para a sucessão presidencial, já que desde 1998 os presidentes no cargo buscaram um segundo mandato alardeando seus feitos pregressos, diferentemente de Bolsonaro, cuja agenda própria do governo se restringe a ações marginais e setoriais, que avançam em paralelo ao ativismo polêmico nas redes sociais. As ações patrocinadas pelo presidente referiram-se, na esmagadora maioria, a questões pontuais, como aumento de pontos na carteira de habilitação, fim do horário de verão, liberação de armas, distribuição de cloroquina. Além do mais, elas se formalizaram em grande parte por edição de decretos presidenciais ou portarias ministeriais, sem passar pelo crivo do Legislativo.
Conforme o “Congresso em Foco”, Bolsonaro, de fato, abdicou de apresentar um plano de governo, apoiá-lo e propagandeá-lo. Assim, sua aposta na reeleição encontra-se diante da seguinte questão: o governo vai gerir a economia em 2021 de forma a ter bons resultados em 2022 ou a agenda marginal e setorial continuará dominante? “Trata-se do dilema elementar de vencer eleições aglutinando ou dividindo, enquanto setores da sociedade apostam que continuará prevalecendo a linha de continuidade da fragmentação, do governo desconexo e da fragilidade das ações econômicas. O “Congresso em Foco” sublinha que uma vitória de Arthur Lira na Câmara está longe de garantir o apoio a uma agenda de reformas. E não há projeções animadoras sobre desempenho econômico e social, com recuperação de setores devastados em meio à força da pandemia de coronavírus.
No fecho da avaliação, deduz-se que o projeto de governo pessoal, marginal e setorial de Bolsonaro, se ocupa alguns espaços, deixa vazios na arena política, o que tende a gerar, a partir deste ano, o recrudescimento da guerra ideológica, em conluio com o espoucar, aqui e ali, de propostas de cunho administrativo e econômico que buscarão preencher o vácuo das ações governamentais. “O signo dos tempos deverá ser representado pela dispersão e falta de sistematicidade. Com isso, as crises poderão ser o principal motor para o avanço de iniciativas pontuais, oficializando o tempo das gambiarras. Partidos e grupos parlamentares continuarão flertando con Bolsonaro e outros candidatos à presidência, mas seu posicionamento só virá de verdade nas convenções partidárias de 2022. Até lá, o Brasil terá perdido um tempo enorme no rumo das reforças que chegaram a entusiasmar até segmentos da oposição, mas que, infelizmente, não avançaram dentro da velocidade desejada para impulsionar o desenvolvimento do Brasil.