Nonato Guedes
De saída da presidência da Câmara dos Deputados, onde parecia reinar, de forma absoluta, nos últimos anos, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) não esconde uma ponta de frustração por não ter demandado o processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, com quem tem emulado constantemente. Como soberano da Casa, teve a caneta ao alcance da mão para dar partida, pelo menos, a uma operação que é geralmente complexa e imprevisível para a estabilidade das instituições. Também não lhe faltaram pretextos ou justificativas até do ponto de vista legal – embora negue – para mobilizar o Congresso em torno do assunto, que sempre teve receptividade em setores da sociedade. Maia preferiu não se precipitar e agora vive da aposta na concretização do afastamento do mandatário.
Em entrevista ao portal Metrópoles, concedida à jornalista paraibana Rachel Sheherazade, a ser disponibilizada na íntegra hoje, Rodrigo Maia afirmou que a demora de Bolsonaro em apresentar um plano de vacinação já “transbordou” uma pressão da sociedade para o Parlamento, e que caberá ao seu sucessor na presidência da Câmara abrir um processo de impeachment. Isto poderá ocorrer nos próximos meses, segundo seus novos cálculos. Há, na gaveta de Maia, mais de 50 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, mas a verdade é que Rodrigo não deu sequência a nenhum deles, ao longo do seu mandato. Deu as mais estapafúrdias desculpas para não agir nessa direção, que podem ser resumidas na sua “preocupação” em manter o regime democrático – como se o país não tivesse resistido a dois impeachments em pouco tempo: o de Fernando Collor de Melo, em 1992, e o de Dilma Rousseff, em 2016. Faltou coragem ao ainda presidente da Câmara? Rodrigo entra para a História como “covarde”? São questões que o tempo se encarregará de responder.
O que se nota é que, no apagar das luzes da sua passagem pela presidência da Câmara, em que figura como o primeiro na linha de sucessão da presidência da República, depois do titular e do vice, Rodrigo busca construir sua própria narrativa como contraponto às versões sobre sua postura e, principalmente, às críticas que enfrenta, a mais pesada delas a de que, ao se omitir na tomada de uma iniciativa, foi conivente com eventuais crimes de responsabilidade atribuídos a Bolsonaro, entre os quais é citada a postura “negacionista” adotada por ele diante da eclosão da epidemia de Covid-19. Inúmeras vezes o presidente desdenhou da extensão da calamidade sanitária que acabou afetando o mundo inteiro. Tratou a Covid como “gripezinha”, foi insensível diante da quantidade crescente de mortos e de outras vítimas, deixou de coordenar um plano nacional que preparasse o Brasil para avanços na prevenção e combate ao vírus. Com isto, afetou psicologicamente, de forma direta, a sociedade, dentro da máxima de Camõesde que o fraco rei faz fraca a forte gente.
Na entrevista, o deputado diz que, agora, entretanto, a demora do governo em elaborar um plano de vacinação contra a Covid é fator que pode motivar a abertura de um processo contra o ex-capitão. “Lhe garanto que até hoje, até a questão da vacina, não tive uma pressão política, um ambiente tão forte da sociedade, para fazer esse encaminhamento (…) Acho que a questão da vacina poderá transbordar num ambiente muito mais hostil. Pela primeira vez o governo perde popularidade. E acho que os erros na questão da vacina vão gerar um ambiente muito hostil para o governo nos próximos meses”, declarou ele a Rachel Sheherazade. E mais: “Talvez ele (Bolsonaro) sofra um processo de impeachment muito duro se não se organizar rapidamente. Porque o processo de impeachment, você sabe, é o resultado da pressão da sociedade”. O congressista, não obstante, reiterou que não abrirá um processo contra Bolsonaro em seus últimos dias como presidente da Câmara e que isso caberá ao seu candidato à sucessão, Baleia Rossi (MDB-SP), caso ele seja eleito. Baleia concorre à função com o deputado Arthur Lira (PP-AL), que seria o candidato do presidente Bolsonaro.
– Estamos em recesso, não vai ajudar agora. Vou apenas criar desorganização em um momento em que está se elegendo um novo presidente da Câmara. Acho que esse papel cabe ao novo presidente – frisou, textualmente, Rodrigo Maia. A leitura que ele faz do cenário vigente é que a voz rouca das ruas tende a se tornar mais estridente no bojo de erros cometidos pelo próprio governo na condução do plano nacional de imunização. Seja qual for o ângulo ideológico pelo qual se analise o comportamento de Rodrigo Maia na presidência da Câmara dos Deputados, tudo converge para apresentá-lo como leniente. Ele não teve pulso para levar a Câmara a reagir aos ímpetos de autoritarismo de Bolsonaro – somente contidos, na verdade, pelo Supremo Tribunal Federal, em algumas ocasiões. Falta a Maia a vocação para estadista – aquele que se antecipa aos fatos, na definição antológica do doutor Ulysses Guimarães, sempre atual, contemporânea. O julgamento da História é implacável.