Nonato Guedes
Em declarações à imprensa, ontem, na Paraíba, a senadora Daniella Ribeiro (PP) salientou que não há clima favorável a um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O assunto, de acordo com impressões que ela recolheu em Brasília, não é prioridade para um expressivo contingente de parlamentares, que ainda consideram o enfrentamento ao coronavírus e a solução da crise econômica como bandeiras urgentes. O diagnóstico feito pela senadora bate com o resultado de pesquisa do Datafolha, divulgada ontem mesmo, em que 53% dos entrevistados rejeitam o impeachment, contra 42% que se disseram favoráveis.
O mesmo Datafolha, não obstante, detectou aumento substancial na rejeição ao presidente diante da crise provocada pela ausência de um plano robusto de vacinação contra a Covid-19 e o colapso do sistema de saúde provocado pela segunda onda da pandemia. Segundo a pesquisa, a avaliação Ruim/Péssimo subiu de 32% para 40% entre dezembro e janeiro. No mesmo período, o Bom/Ótimo caiu de 37% para 31%. Outros 26% consideram Regular. A mudança de quadro foi tão brusca que fez o presidente se aproximar dos piores números desde o início do mandato. Os números agora apresentados dialogam com a pesquisa Exame/Ideia que mostra uma queda de 11 pontos percentuais na popularidade de Bolsonaro na pesquisa. Ainda assim, conforme a senadora Daniella, não há clima para impeachment no Congresso.
Daniella não entrou no mérito sobre a legitimidade ou não de um processo de impeachment contra o capitão por crime de responsabilidade – ela não antecipa tendência nem projeção de voto na hipótese de avanço da questão. Apenas identifica a preocupação com a pandemia e a crise econômica, lembrando que a agenda do Congresso Nacional ainda está em aberto em relação a reformas imprescindíveis como a tributária, cujo relator é o seu irmão, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro e cuja tramitação empacou desde o ano de 2020, ora por causa das eleições municipais, ora em virtude dos desafios da calamidade do coronavírus.
Essa dicotomia nítida entre impopularidade de Bolsonaro e rejeição ao impeachment é o que tem intrigado líderes políticos e freado, até aqui, uma orquestração mais consistente e ampliada para deflagração da campanha pelo impeachment. Já foi dito, inúmeras vezes, que o Parlamento, via de regra, age sob pressão, principalmente aquela que ressoa das ruas. Têm havido manifestações alternadas de protesto contra o governo por meio de panelaços, geralmente quando de pronunciamentos ou declarações fora de contexto proferidas por Bolsonaro. Mas o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que está se despedindo do cargo e que é tido como êmulo declarado de Bolsonaro, não se sentiu seguro o bastante para desengavetar pelo menos um dos mais de 50 pedidos de impeachment protocolados na Casa Legislativa. Maia tem se limitado a dizer que, pessoalmente, acredita ser inevitável o impeachment – mas, não a curtíssimo prazo, em ritmo de sangria desatada, como desejam os opositores mais ferrenhos do presidente da República.
A senadora Daniella Ribeiro alertou para o fato de que impeachment é sempre um processo traumático e aludiu ao precedente de, embora jovem, a democracia brasileira instaurada no pós-ditadura militar já ter experimentado dois casos de impedimento – que levaram ao afastamento de Fernando Collor de Mello, em 1992, e ao de Dilma Rousseff, em 2016. Foram processos complexos, traumáticos, dolorosos, para a sociedade brasileira como um todo, ainda que o desfecho tenha se situado dentro das expectativas. Mas impeachment é sempre complicado – tanto mais complicado em períodos excepcionais, de anormalidade sanitária como a que está se desenrolando no Brasil, como reflexo da epidemia de Covid. O receio de políticos como Daniella é que a conjunção de fatos provoque um caldo de cultura extremamente pernicioso para a sorte das instituições, comprometendo, em última análise, a bandeira democrática pela qual tanto se luta.
O que se deduz é que o presidente Jair Bolsonaro vai se segurando no cargo enquanto perdurar a pandemia do coronavírus, com seu corolário de efeitos trágicos para a população brasileira. O impeachment continuará no radar de políticos que fazem oposição sistemática a Bolsonaro e ao seu governo e, disparado, nas buscas que são feitas no Google. Mas dificilmente evoluirá além desse patamar. Sem grandes mobilizações de rua o Congresso Nacional não se mexe. E como o país vive sob o guante das medidas de distanciamento social, ainda que eventualmente quebradas aqui e acolá por pessoas inscientes dos perigos da pandemia, as vozes não são estridentes o suficiente para formar aquela conhecida vaga humana que depõe governantes, da mesma forma como os põe no poder. Esta é a radiografia que inspira a senadora Daniella a não enxergar “clima” para o impeachment.