Nonato Guedes
O apoio do presidente Jair Bolsonaro à candidatura de Arthur Lira (PP-AL) para presidir a Câmara Federal tornou-se escancarado e, como consequência, acirrou uma disputa que, em tese, deveria ser interna, restrita ao colegiado parlamentar, mas que sempre conta com a ingerência do Executivo – ostensiva ou não. O principal concorrente de Lira é o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apadrinhado pelo atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), que detém votos, também, no PT e em outros partidos de esquerda. Ontem, a oposição reagiu, estarrecida, à informação de que o governo repassou R$ 3 bilhões para deputados e senadores com o objetivo de destinar recursos para obras em seus redutos eleitorais às vésperas das eleições na Câmara e Senado. “O Planalto pratica a compra descarada de votos com dinheiro público”, protestou a líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP).
A mobilização da máquina por meio de barganha fisiológica com eleitores de Arthur Lira era o que os adversários temiam nos bastidores e poderá constituir rolo compressor, favorecendo Arthur Lira. Bolsonaro comporta-se como cabo eleitoral, pedindo votos para Lira, embora, por esperteza, negue interferência do governo no processo. É evidente que o capitão está motivado para o embate, entre outras razões porque deseja infligir derrota acachapante a Rodrigo Maia. O interesse principal, entretanto, é o de contar, na presidência da Câmara, com um aliado, que facilite a tramitação de pautas que são simpáticas à gestão de Bolsonaro. Na atual gestão de Rodrigo Maia, o mandatário teve acenos de colaboração, mas também enfrentou focos de hostilidade. A própria cantilena que Maia brandiu o tempo todo sobre o impeachment, como uma “espada de Dâmocles” sobre a cabeça de Bolsonaro, gerou situação permanente de apreensão, de intranquilidade.
Nas condições atuais de temperatura e pressão que envolvem a sucessão de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados, Arthur Lira tem, sim, chances concretas de ascender ao posto, apesar de contabilizar uma série de pendências na Justiça. Ele é réu, por exemplo, em duas ações no Supremo Tribunal Federal, acusado de integrar uma organização criminosa que teria saqueado os cofres da Petrobras, bem como de receber propina de 106 000 reais de um esquema de corrupção na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Lira, que é expoente do chamado Centrão – agrupamento conservador e fisiológico enraizado na Casa há várias legislaturas – sempre rechaçou as acusações e nunca demonstrou muita preocupação com os impactos políticos desses processos. Ultimamente, tem enfrentado denúncias de sua ex-mulher Julyenne Lins, com quem foi casado por dez anos, que o acusou, até, de agressão a socos e pontapés. Estas acusações lhe dão mais trabalho, mas, ainda assim, parecem não interferir na contagem de votos prometidos ao parlamentar.
A revista “Veja”, em matéria sobre as complicações enfrentadas por Arthur Lira, reconheceu que, a despeito delas, o deputado tem avançado na disputa pela presidência da Câmara, graças, principalmente, à sua capacidade de articulação junto a integrantes do chamado “baixo clero”, que costuma ser decisivo em prélios em torno do poder no Legislativo (Câmara e Senado). Na semana passada, Arthur conseguiu o apoio de 36 dos 53 deputados do PSL, partido que até então constava como parte da aliança de seu principal adversário, Baleia Rossi. Fenômeno semelhante acontecia no Solidariedade: dos catorze deputados da legenda, que oficialmente aderiu a Baleia Rossi, onze declararam apoio a Lira, que assegurou, igualmente, o apoio do PTB.
Na verdade, as projeções podem ficar embaralhadas até o dia da eleição – segunda-feira próxima, por causa do voto secreto e da tentação de traições entre parlamentares. Ocorre, também, que muitos dos parlamentares fazem jogo duplo sobre declaração de voto, ora para despistar a imprensa, ora para confundir o governo, que entrou no processo e tem instrumentos de represália poderosos ao seu alcance, sobretudo para políticos fisiológicos. De concreto, o presidente Bolsonaro, que até então parecia sem ficha no jogo, devido à própria incapacidade do seu governo de montar articulação política eficiente no Congresso, de repente descobriu um nome com o qual se identificar. E, ao influenciar na contagem de votos, pode desequilibrar o páreo a favor de Arthur Lira. Esta é a avaliação que analistas políticos fazem em Brasília, atribuindo favoritismo a Lira, reforçado com a declaração de apoio de Bolsonaro.
Se Arthur Lira for eleito presidente da Câmara Federal, o Nordeste voltará a comandar uma Casa importante. O presidente da Câmara dos Deputados vem depois do vice-presidente na hierarquia de poder ligada à Presidência da República – e a instituição, em si, tem mais visibilidade que o próprio Senado em matéria de reformas constitucionais e de processos rumorosos, como o do impeachment do mandatário. Uma eventual gestão positiva de Lira seria uma grande surpresa para os meios políticos nacionais. O problema é que, por coincidência ou não, alguns políticos alagoanos alçados à esfera de Poder em Brasília, na história recente do país, não primaram, necessariamente, por oferecer bons exemplos. Este foi o caso de Renan Calheiros, na presidência do Senado Federal. E também o caso de Fernando Collor, com quem Bolsonaro esteve esta semana e a quem alardeou vitória nas disputas do Legislativo. Collor, para os desmemoriados, foi alvo do primeiro processo de impeachment na história brasileira, em 1992. Mas isto são outros quinhentos…