Nonato Guedes
Ontem foi o Dia do Jornalista, comemorado no Brasil e que, simbolicamente, recorda a data da morte do abolicionista José Carlos do Patrocínio, em 29 de janeiro de 1905. Ele se destacou como expoente ativo na defesa da libertação dos escravos e, por via de consequência, na abolição de uma página que envergonhou por muito tempo a História do País. Os dias têm sido de luta para profissionais de imprensa no Brasil, diante da tensão permanente alimentada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que dispara grosserias e ataques de baixo calão contra repórteres por divulgarem notícias que contrariam o humor e os interesses do mandatário de plantão. Justamente por causa dessa cruzada insensata e rasteira movida pelo presidente, tem sido formidável a resistência encetada por profissionais da Comunicação, que não se intimidam com os arreganhos do capitão reformado e de sua trupe amestrada por intensa lavagem cerebral do pior nível.
Um dos exemplos mais ilustrativos da capacidade de mobilização da imprensa diante das arbitrariedades do Estado em pleno regime democrático foi o boicote montado pelos principais órgãos da mídia ao briefing diário que Bolsonaro havia adotado num “cercadinho” do Palácio da Alvorada, em Brasília, a pretexto de comentar assuntos em evidência no noticiário. Na falta de argumentos para responder a sucessivas denúncias formuladas contra sua gestão, o capitão-presidente deixou de se dirigir de forma civilizada e transparente a repórteres, preferindo xingá-los o tempo todo. Pior: passou a incitar seus apoiadores que davam plantão no “cercadinho” a engrossar o coro doe xingamentos, em atos de provocação e intimidação que, por pouco, não derivaram para uma carnificina. Essa atitude mereceu repúdio em todo o mundo, por parte de entidades insuspeitas e, também, de autoridades e líderes políticos, que respeitam o trabalho da imprensa e convivem democraticamente com críticas ou questionamentos. Os dirigentes dos veículos de comunicação entenderam ser prudente retirar seus profissionais, colocando-os a salvo da fúria descontrolada da malta bolsonarista.
Um outro papel de extrema relevância cumprido pelos órgãos de imprensa na Era Bolsonaro foi a formação de um consórcio para informar corretamente à opinião pública os dados sobre a situação da pandemia de coronavírus no território nacional. O consórcio foi formado diante das informações precárias ou maquiadas que o Ministério da Saúde, vinculado ao governo federal, procurou repassar acerca da curva ascendente da epidemia, com isto gerando absoluta desinformação junto à sociedade. A ofensiva midiática irritou profundamente o presidente Jair Bolsonaro e seus puxa-sacos, que acusaram os meios de comunicação de “desserviço” ao supostamente espalhar alarmismo junto à população. Faltou ao Planalto assumir que estava, perigosamente, sonegando informações que seriam essenciais para salvar vidas e evitar o alastramento da epidemia de covid-19 no Brasil. Houve a preocupação do “pool” de veículos de divulgar, também, os números de recuperados da covid, o que conferiu credibilidade à imprensa, nos embates com um governo despreparado, omisso e irresponsável perante situação trágica, de calamidade.
O jornalista paraibano Sérgio Botêlho, radicado em Brasília, apontou em rede social outro passo importante do que denominou “Consórcio de imprensa em favor da vida”: a veiculação, ontem, na televisão, de um comercial sob responsabilidade do consórcio de órgãos de imprensa, para explicar a importância da vacinação como único meio possível de extinção da pandemia no Brasil. Diz Botêlho: “Esse acordo temporário entre organismos midiáticos é o mesmo que em junho do ano passado resolveu tomar para si a responsabilidade pela divulgação diária de números confiáveis sobre a evolução da covid-19 no Brasil, justamente quando faltou credibilidade, para isso, ao Ministério da Saúde. Quando tiveram início as atividades do consórcio, desconfiava-se que o Ministério da Saúde pudesse, então, mascarar as informações, a partir da modificação, em curso, na plataforma oficial de divulgação. O governo não escondia sua insatisfação com os números”.
Foi assim que Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Extra, G1 e UOL assumiram, por meio de sucursais e agências, a tarefa de reunir as informações diariamente divulgadas pelas secretarias de Saúde Estaduais, apresentando, a partir daí, os números nacionais. A nova ofensiva do consórcio de imprensa é um antídoto à campanha intensa feita por governistas, incluindo o próprio presidente Jair Bolsonaro, contra a vacina, no intuito de desmoralizá-la. “Aliás – ressalta Botêlho – uma campanha que não para. Senão pelo Palácio do Planalto, oficialmente, mas por muitos bolsonaristas que continuam, pelas redes, a propagandear fake news contra a vacina, no intuito de desestimular a população”. A mensagem do primeiro vídeo diz que “É hora de dizer Vacina Sim. Ela protege você e protege os outros”. O esforço está vinculado, também, à importância da imunização vacinal para a retomada da economia, já que reina entre empresários a certeza de que não há ambiente possível para a plena atividade empresarial sem que se vença a pandemia.
Todo dia tem sido Dia do Jornalista, principalmente no Brasil, dado o papel extraordinário que os profissionais de imprensa têm exercido no esclarecimento da população e e no convencimento sobre a imperiosidade da imunização, a fim de que a população vença esse ciclo perverso com o mínimo de sequelas ou de consequências prejudiciais. É indiscutível que a imprensa protagoniza exemplos épicos na sua própria história em defesa das liberdades públicas. Num país onde há um presidente negacionista e com tendências genocidas, apontadas indistintamente por setores da sociedade, o outrora Quarto Poder vai ao “front” para erguer barricadas em defesa da VIDA. Que a imprensa continue a ser, no Brasil, a trincheira da democracia em que tem se transformado em momentos difíceis que, por vezes, descortinam trevas no horizonte político-institucional do país.