Nonato Guedes
De um modo geral os partidos estão em crise na conjuntura política brasileira, incapazes de atuar como vetores de mobilização dentro da sociedade e alvos de um processo de desgaste que vai se tornando irreversível, devido a posturas fisiológicas adotadas em episódios como os de agora, nas eleições de Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O PT é exemplo de agremiação que, mesmo com credenciais para se firmar na oposição ao governo Bolsonaro e às forças políticas de direita, padece de descrédito e de esvaziamento de quadros. Há, porém, um caso raro de partido que foi capaz de apequenar-se em plena fase de crescimento, conforme observou o colunista Josias de Souza: o Democratas (DEM), sucedâneo do antigo PFL, também chamado de Pêfêlê.
Josias afirma, em seu espaço no UOL, que as urnas municipais de 2020 tiveram para o DEM um sabor de biotônico. A legenda amealhou 8,3 milhões de votos – 61% a mais do que obtivera no pleito de 2016. Governava 268 cidades, passou a administrar 464 prefeituras. De repente, o partido começa a perder prestígio e posições. Deixou de controlar a Câmara Federal, que foi enfeixada até esta semana por Rodrigo Maia, um político vacilante que não teve coragem de submeter, sequer, à análise, pelo menos um dos inúmeros pedidos de impeachment do presidente da República. No Senado, com Rodrigo Pacheco (MG) no comando, o DEM ainda logrou escapar. O dano maior, porém, é que o partido perdeu identidade. Converteu-se, motu próprio, em sublegenda do bolsonarismo, vindo a reboque de um mandatário que sequer está filiado a partidos porque se julga acima de todos e que lança mão de legendas de aluguel para poder se candidatar, a partir daí dando “tchau” a quem não tem mais serventia.
Josias de Souza cita outra peculiaridade do Democratas e recorre a uma fina ironia para tanto. Diz ele: “O DEM passou a exibir uma firmeza tão singular que suas posições tornaram-se plurais. A legenda agora é a favor de tudo e absolutamente contra qualquer outra coisa. Em entrevista à Folha, o presidente nacional do partido, ACM Neto, expressou-se como um compositor. Compõe com todo mundo. Perguntado se o tucano João Doria deixou de ser uma opção presidencial para o DEM, o neto de Antônio Carlos Magalhães, o “Toninho Malvadeza”, respondeu com a consistência de uma porção de gelatina: “Da mesma forma que lhe afirmo que não temos compromisso com Doria, e nunca tivemos, também devo dizer que jamais descartamos essa possibilidade. Não é certo dizer que há compromisso, como não é certo dizer que há veto”. Raciocínio mais tortuoso do que esse, impossível…
A Folha perguntou a ACM Neto se descarta a hipótese de fechar com Bolsonaro. Outra resposta gelatinosa: “Nós não estaremos com os extremos. Você pergunta se eu descarto inteiramente a possibilidade de estar com Bolsonaro. Neste momento não posso fazer isso”. E pergunta de si para si: “Qual Bolsonaro vai ser? O dos dois últimos anos que passaram? Não queremos. Agora, haverá um reposicionamento? Para a construção de algo mais amplo, que não fique limitado à direita. Não sei. Então, não posso responder agora”. Diz Josias de Souza: “À certa altura fica-se com a impressão de que, para o DEM de ACM Neto, a perfeita solidão há de ter a presença de múltiplos presidenciáveis. “Portanto, seja João Doria, seja Luciano Huck, Ciro Gomes, Henrique Mandetta…Qualquer um dos nomes, vamos saber com o passar do tempo se vai ter mais ou menos chance”. Tanta irresolução – conclui Josias – submete qualquer partido ao risco de desaparecer. Parece anedota, mas a carta do suicídio entrou no baralho do DEM. O barulhinho que se ouve ao fundo é o ruído do velho Antônio Carlos Magalhães se revirando no túmulo”.
Em meio à geleia geral da política brasileira, com os partidos soterrados por conveniências pessoais, ficou cristalina, na implosão da aliança montada para eleger Baleia Rossi (MDB-SP) presidente da Câmara, a dificuldade em se criar uma frente ampla para 2022, como vinha sendo cogitado. O processo eleitoral, sobretudo na Câmara, deixou fissuras na tentativa de reconstruir pontes entre os partidos e possibilitar uma frente ampla contra o bolsonarismo no próximo ano. “Há desconfianças de lado a lado no espectro político”, informa o jornal “O Estado de S. Paulo”, acrescentando que articuladores dessa frente se questionam se as intenções vão esbarrar em personalismos e interesses fisiológicos dos parlamentares para atender suas bases eleitorais. A tal “frente anti-Bolsonaro”, como vinha sendo alardeado em órgãos da mídia sulista, agora é chamada, à boca pequena, de “frente fria”. Em Brasília, como se sabe, os humores em torno do Poder mudam com facilidade espantosa. E, definitivamente, o jogo não é para amadores, mas para profissionais.