Nonato Guedes
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva orientou o ex-ministro Fernando Haddad a iniciar a campanha do Partido dos Trabalhadores para as eleições presidenciais de 2022. Embora o pleito esteja muito distante, a atitude de Lula e do PT revela insegurança quanto a uma eventual candidatura do “pajé”, que é sempre o preferido, ao Palácio do Planalto. Lula está em liberdade, inclusive, viajando para Cuba e outros países de vez em quando, mas seu passaporte para disputar a cadeira ocupada por Bolsonaro não está liberado. Petistas temem que um julgamento do processo que pode devolver a seu líder os direitos políticos venha a demorar e afirmam que o PT precisa deflagrar imediatamente a campanha para reconquistar o poder.
Uma outra razão dessa estratégia petista é simples: Lula e seus discípulos sentem que Bolsonaro vem se fortalecendo no cenário político nacional e que virou “teflon” diante do desgaste causado pela desastrada condução da política de enfrentamento ao coronavírus. As recentes vitórias obtidas por candidatos apoiados pelo capitão a presidente da Câmara e do Senado, o avanço de Bolsonaro pelos domínios do Supremo Tribunal Federal, o efeito positivo do auxílio emergencial concedido a trabalhadores em situação vulnerável durante certa fase da pandemia de Covid e cujo retorno está sendo cogitado em Brasília – tudo isso vem dando capilaridade a Bolsonaro. Ao mesmo tempo, a oposição, de forma involuntária, colabora para reforçar Bolsonaro, com sua desunião crônica, suas divergências, seu entredevoramento. O presidente ocupa espaços de forma avassaladora e tem a possibilidade, a partir de agora, de contar com o Congresso para implementar reformas que podem impulsionar seu governo.
Em relação ao PT, que sonha com a perspectiva de voltar a polarizar o jogo com Bolsonaro, a opinião dominante é que o partido não pode ficar à mercê do julgamento da Suprema Corte. Haddad comentou nos últimos dias que caso o tribunal decida pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos processos que envolvem o ex-presidente Lula, o que possibilitaria a ele disputar o Executivo federal em 2022, o PT certamente apostará no ex-mandatário nas eleições do ano que vem. Contudo, ele destacou que enquanto isso não acontecer, a legenda precisa se movimentar antes que seja muito tarde. “Como não sabemos o que vai ser de nós daqui a um, dois, três meses, e nós não temos mais tempo, o Lula me pediu que eu não adiasse mais as andanças pelo país defendendo o nosso legado e as nossas ideias para 2022”, detalhou. Lula assim falou: “Haddad, não há mais tempo. Você tem que colocar o bloco na rua. Eu sei que você respeita a minha situação e o quanto você tem lutado pela restituição dos meus direitos, mas nós não podemos ficar na dependência. Temos que sair para conversar com o povo”.
Haddad foi candidato a presidente da República pelo PT em 2018 e polarizou, de fato, com Bolsonaro graças a uma ativa orquestração que Lula da Silva comandou, de dentro da cela da Polícia Federal em Curitiba, onde ficou recolhido por 580 dias. Teve votação expressiva em redutos do Nordeste, onde era conhecido como “Andrade” ou como “o candidato de Lula”. Nas eleições municipais do ano passado a prefeito de São Paulo, chegou a ser cogitado como alternativa, mas foi poupado por ser uma espécie de “reserva técnica qualificada” do PT para substituir Lula da Silva. O PT perdeu com Jilmar Tato em São Paulo, como perdeu em redutos importantes como Recife. Em João Pessoa, Lula protagonizou o samba do crioulo doido, hostilizando até o fim a candidatura própria de Anísio Maia para pagar uma dívida com o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), implicado na Operação Calvário, recomendando o apoio a ele, o que não valeu muita coisa. Enfim, o PT colecionou derrotas que não estavam no seu cronograma.
Para 2022 o tempo urge porque há um outro fator perturbando o sono dos petistas: a concorrência de partidos e líderes de esquerda que lutam para se credenciar como adversários do governo de Jair Bolsonaro. Este é o caso do PSOL, que em 2018 já concorreu à presidência da República com Guilherme Boulos, em 2020 lançou Boulos à prefeitura de São Paulo e em 2022 quer lançar Boulos à presidência da República. O PSOL disputa com o PT hegemonia no agrupamento esquerdista e uma aliança entre ambos para a disputa presidencial não está no radar político-eleitoral para o futuro imediato. Fora daí, há políticos se mexendo no PCdoB e em outras facções da esquerda. E pela direita e pelo centro movimentam-se figurinhas carimbadas como João Doria, governador de São Paulo, que tenta tirar proveito da atuação no enfrentamento ao coronavírus, fazendo contraponto com o negacionismo do governo Bolsonaro.
Dois pontos vão se tornando evidentes nos movimentos de bastidores que começam a ser ensaiados para o próximo ano: o reconhecimento de que Bolsonaro não está morto politicamente e que está cada vez mais distante do impeachment, sobretudo agora que Rodrigo Maia foi defenestrado de poderes no âmbito da Câmara dos Deputados, e a constatação de que a oposição partirá novamente fragmentada para um embate que pode vir a ser “de vida ou de morte” quanto a pretensões eleitorais. Da virada do ano para cá, o fato novo no cenário nacional tem sido a progressiva reabilitação de Bolsonaro, valendo-se dos instrumentos de poder e da competência pragmática-fisiológica para ocupar espaços. Um outro fato novo recentíssimo é essa movimentação do PT para botar o bloco na rua, mesmo sob o guante de medidas de isolamento social provocadas pelos cuidados com a Covid-19. A volta da polarização é o pano de fundo da estratégia de curso. E é preciso reconhecer que Bolsonaro larga, desta feita, com os trunfos que vinham escapando ao seu controle.