Nonato Guedes
A imprensa ficou órfã, ontem, de um dos seus melhores quadros: o jornalista Martinho Moreira Franco, que faleceu em João Pessoa, aos 74 anos, de complicações de um câncer e de uma delicada cirurgia. Foi um dos mais versáteis profissionais da Comunicação na Paraíba, com passagens por publicações destacadas do Sul do País como “O Globo” e a “Veja”. Começou como crítico de cinema mas logo revelou-se polivalente, tecendo uma trajetória brilhante que foi de “copiquedesque” a cronista, dono de verve irresistível e fina, a cujo olhar crítico nada escapava. Ficou marcado pela longevidade como jornalista no segmento governamental, que lhe valeu o título de “escriba-mor oficial”, o qual, aliás, assumiu de carteirinha, sem traumas, como confessou num depoimento para a série Era de Ouro: Testemunhas da História, do extinto jornal impresso “Correio da Paraíba”, onde trabalhou.
Na verdade, pela sua competência invejável e informação intelectual, além da incrível facilidade com as palavras, Martinho era requisitado como redator de textos, editoriais, reportagens e até discursos, contabilizando mais de 35 anos na seara governamental, no convívio direto com cerca de quinze governadores, dos quais sempre teve respeito e reconhecimento. Na secretaria de Comunicação, sob qualquer denominação que a pasta tenha tomado em épocas distintas, trabalhou para os governos de João Agripino, Ernani Sátyro, Ivan Bichara, Dorgival Terceiro Neto, Tarcísio Burity (nos dois governos), Clóvis Bezerra, Wilson Braga, Milton Cabral, Ronaldo Cunha Lima, Cícero Lucena, Antônio Mariz, José Maranhão, Roberto Paulino, Cássio Cunha Lima, Ricardo Coutinho. Deu-se bem com todos, não “em todos” os governos, como acentuou em meio a um dos trocadilhos de que usava e abusava com naturalidade.
No segundo governo de Tarcísio Burity, na década de 80, foi nomeado secretário de Comunicação Social mas não queria de jeito nenhum investir-se no cargo. Pretextava não ter jeito para trajar paletó e gravata. Na noite em que o governador eleito decidiu fazer o anúncio, chegou a ser cumprimentado pelo deputado federal Antônio Mariz e pela recém-anunciada secretária de Educação Giselda Navarro. Pegou Burity pelo braço, na sede da Ocep-PB, onde o governador despachava e suplicou-lhe, a propósito do anúncio do seu nome: “Não faça isso, pelo amor de Deus”. Burity apenas sorriu. No dia seguinte, ao ler os jornais, Martinho começou a se esconder e, conforme seu relato, passou a sofrer um dos períodos mais angustiados e angustiantes da sua vida. O problema de fundo era a falta de empatia de MMF com cargos de chefia e, menos ainda, com rituais burocráticos e formais que compõem a coreografia em torno dos ocupantes do poder.
Pelo próprio perfil, de gestos largos, efusivos, diálogo fácil e inteligente, postura respeitosa, Martinho Moreira Franco fez sólidas amizades, com colegas de profissão e com personalidades como os governadores em cujos períodos trabalhou na área da Comunicação. Enveredou, também, pelo segmento da publicidade, que ganhou novo colorido com suas digitais, sua assinatura inconfundível. Era disciplinado e extremamente aplicado na produção de textos, dando a impressão de nunca estar plenamente satisfeito com tudo que escrevia, por mais elogios que despertasse. Havia, aí, uma ponta de perfeccionismo e de exagero crítico dele consigo mesmo, atento ao que diriam Gonzaga Rodrigues, o Mestre, a quem tinha como pai, Severino Ramos e outros “irmãos” que foi conquistando na labuta profissional. “Formou” muitos novatos, recém-adentrados ao “batente jornalístico”, nunca se furtando a transmitir conhecimentos, a sugerir correções. Colecionava pérolas do repertório jornalístico, atuando o tempo todo como espécie de “ombudsman” informal. Ora era uma manchete em tom de cacofonia que ele glosava, ora um parágrafo mal feito que atraía sua análise cáustica, conquanto bem humorada. Sua lupa que muitos temiam, por óbvio.
Trabalhamos juntos em alguns veículos de imprensa como “O Norte”, “A Carta” e “A União”, mas estávamos sempre nos reencontrando em algum lugar, graças à sua versatilidade característica. Nosso primeiro encontro foi numa entrevista do governador Burity, no primeiro governo, final da década de 70, no Palácio da Redenção. Despertei-lhe a atenção quando, na minha vez de perguntar, indaguei: “Governador, passada a refrega da eleição da Mesa da Assembleia, será possível pacificar o PDS?”. Daí em diante, nas ligações telefônicas ou em contatos diretos, em tertúlias boêmias, passou a chamar-me de “refrega”. Das suas admirações e amizades figuravam – que me lembre bem – Ipojuca Pontes, a quem chamava “o cego”, Maílson da Nóbrega, irmão do saudoso Milton, da Oficina Propaganda, e colegas “das antigas” de redações pessoenses, com quem não tive o privilégio de conviver. Nunca flagrei nele qualquer sinal de deslumbramento. Mas flagrei gestos tocantes de solidariedade para com pessoas amigas ou conhecidas. Estes gestos, sim, foram inúmeros, o que talvez explique uma certa unanimidade que converge na “exegese” (ele adorava o termo) da personalidade de Martinho Moreira Franco.
Não é apenas o jornalismo que está empobrecido com a partida de Moreira Franco, mas a cultura paraibana em geral. E também a política, o cinema, o futebol, territórios pelos quais incursionava com maestria. Martinho era figura de conversa agradável, rica de conteúdo e informação, temperada pelo molho da malícia inofensiva, sem segundas intenções. Ouso afirmar, ainda que à custa de incompreensões, que, de todos nós, ele foi o melhor. De todos nós das gerações que se entrelaçaram no mister jornalístico, vindos de compartimentos etários diferentes. Para mim, o choque foi profundo ao saber da sua morte. Há algumas semanas, eu e minha mulher, Bernadeth, havíamos tido uma conversa telefônica com ele, já em leito de hospital. Mas sua aparência era confiante, seu prognóstico era francamente otimista. Depois, a querida amiga Yone, esposa do também querido Otinaldo Lourenço, deu notícias de que se agravara a saúde de Martinho. Fiquei na tensa expectativa daí em diante. Ontem, por WhatsApp, Yone dizia, melancólica: “Martinho foi se encontrar com o nosso Biu Ramos”. Fico imaginando as conversas intermináveis entre os dois….
Como sempre, meu amigo Nonato Guedes, você se supera. Que maravilha de relato sobre o nosso querido Martinho Moreira Franco! Concordo com você quanto ao encontro dele com o meu amado Biu Ramos. No mínimo 1 litro de whisky foi esvaziado, na ânsia dos dois em colocar em dia o papo. Parabéns Nona!