Nonato Guedes
Tem sido uma verdadeira saga a batalha pela sobrevivência travada em leito do hospital Vila Nova Star, em São Paulo, pelo senador e ex-governador José Maranhão, acometido de Covid-19 no próprio dia da votação de 29 de novembro que encerrou o pleito à prefeitura de João Pessoa. A opinião pública paraibana acompanha, debaixo de comoção, esta cruzada pela vida que é contada em capítulos nas anotações, vertidas para postagens em redes sociais, da desembargadora Fátima Bezerra, mulher do parlamentar. Não há pieguice nos relatos da doutora Fátima, que se alterna com a doutora Alice, filha do casal, no repasse de notícias, especialmente para a Paraíba. Há pinceladas de puro amor, de extrema dedicação, de confessada admiração pelas reações intimoratas do personagem que, embora debilitado, não quer entregar os pontos na jornada terrena.
Em ocasiões assim, a espera é angustiante, mesmo que seja por um milagre. O que fortalece a doutora Fátima e os familiares de José Maranhão é o surpreendente vigor que ele exibe e que mereceu da parte do médico Marcelo Amato, da equipe que o assiste, a analogia com o fôlego do gato que “tem sete vidas”, como ficou patenteado no jargão popular. A doutora Fátima ainda ponderou, nas suas anotações: “Nada, Dr. Marcelo, é o amor que o faz renascer com a força da Fênix. É o amor pela vida. Quem tanto ama os animais, como São Francisco, certamente são seres iluminados nesta terra”. A comparação acabou levando a desembargadora a historiar casos de predileção e adoção de gatos por parte de Maranhão. São animais especiais, na opinião do senador, que sempre os achou fortes, inteligentes, estratégicos.
Há particularidades na vida de José Maranhão que o engrandecem aos olhos de quem não o conhece e tenta jogá-lo na vala comum de políticos carreiristas ou sanguessugas do dinheiro público. Este perfil não se amolda ao filho do velho “Beja”, chefe político influente da região de Araruna, forjado e testado em meio a conjunturas adversas ou hostis, a partir do seu nascimento num período de secas inclementes e de uma estrutura econômica e socialmente injusta. José Maranhão fez da vida pública um instrumento de trabalho em prol dos necessitados, a par do conhecimento, “in loco”, da realidade discriminatória, sobretudo no Nordeste. Uma das mais belas passagens da vida de Maranhão foi a sua iniciação como piloto de avião. Foi apresentado a esse admirável universo pela literatura. Paulo Santos, notável jornalista, explicou numa matéria para a revista “Bastidores” quando Maranhão ainda era o vice de Mariz: “Manuseando os livros de Antoine Saint-Exupèry, especialmente O Pequeno Príncipe, Voo Noturno e Correio Sul, teve despertada a tentação por comandar um “mais pesado que o ar”. Segundo ele, “toda a minha geração foi influenciada por esses livros, a voar, no sentido físico ou espiritual. Eu fiz as duas coisas”.
Deputado estadual, deputado federal, mais tarde vice-governador, governador por três vezes e senador, Maranhão integrou a facção de centro-esquerda que atuava dentro do MDB ainda em pleno regime militar. Na verdade, era um reformista compenetrado da necessidade de mudanças na carcomida estrutura econômica e social da região. Lembra Paulo Santos: “Quando as baionetas decidiram pelas cassações de mandatos, Maranhão foi um dos primeiros atingidos, integrando equipe com Romeu Abrantes e Ronaldo Cunha Lima, em 1969”. A motivação? Ser membro de uma Frente Parlamentar Nacionalista, que visava a defender instituições-símbolos como patrimônios do Brasil, a exemplo da Petrobras, que já alavancou campanhas memoráveis nas ruas como aquela “O petróleo é nosso”, os estudantes no comando do radar. Com os direitos políticos suspensos, Maranhão dedicou-se por treze anos consecutivos quase exclusivamente a atividades empresariais. Sem deixar de voar, é claro.
Colecionou lições preciosas que transferiu para a vida pública, aplicando-as como mantras ou princípios a nortear a sua trajetória. Foi a mistura de competência, integridade e lealdade que levou o ex-governador Antônio Mariz a convocar José Maranhão para seu vice dentro do PMDB na campanha de 1994 ao governo, em que derrotou a deputada Lúcia Braga. Extraí a notícia de Mariz, em primeira mão, numa conversa domingueira, na casa do senador Humberto Lucena em Brasília, presentes na mesa os jornalistas Paulo Santos e Walter Santos, e, no entorno, inúmeros políticos peemedebistas. Havia uma disputa na base de Mariz entre bancadas estadual e federal pela vice – a primeira sugerindo Carlos Dunga, a segunda indicando Maranhão. Fiz a pergunta à queima-roupa a Mariz, sem lhe dar chance para titubeios, e Mariz foi irreprochável. Respondeu que não tinha nada contra Dunga, mas que ambos (ele e Dunga) haviam passado pela Arena e que os adversários iriam falar em arenização da chapa. Por outro lado, confiava em Maranhão e admirava sua militância. Já fizera sua opção – na terça-feira, a manchete de jornais impressos não era outra.
Mariz idealizou implementar na Paraíba o Governo da Solidariedade, o que tinha muito a ver com seu senso de justiça social e seu compromisso com mudanças. Ensaiou passos importantíssimos no breve período em que conciliou um câncer insidioso com a passagem pelo Palácio da Redenção ou Granja Santana. Deixou as linhas-mestras, preparando-se para a eventualidade do desenlace, que veio em pouco tempo. Quando Maranhão se investiu, em momento dificílimo, já entrou com lastro, legitimidade e respaldo popular. A Paraíba sabia que podia confiar nele – não só por ter sido uma escolha de Mariz, mas porque JM começava a vencer a timidez e atuar com mais desenvoltura numa posição a meio caminho da de estadista. Como piloto da aeronave prefixo Governo do Estado, Maranhão partiu sob o signo “Austeridade e Desenvolvimento”. Quando veio o bi, o slogan mudou para “Austeridade é Desenvolvimento”, simbolizando a concretização da simbiose das duas premissas.
“Não existem duas palavras no dicionário de um piloto: medo e solidão”, cravou Maranhão no depoimento a Paulo Santos para a reportagem de Bastidores. O senador e ex-governador vive odisseia particular em leito de hospital fora da Paraíba, mas com certeza, nos momentos de lucidez, saído do torpor de medicamentos e procedimentos, sua visão se fixa na planície, nos rincões da Paraíba que lhe deu régua e compasso. A Paraíba, por assim dizer, põe-se na torcida fervorosa pelo restabelecimento da saúde do seu ex-governador e senador. É uma torcida tonificada por orações, numa espécie de cruzada pela fé. Uma belíssima homenagem, sem dúvida, a quem não deslustra as tradições políticas da terra tabajara. #ForçaSenador!