Nonato Guedes
O vice-governador José Targino Maranhão tinha absoluta consciência da grande responsabilidade de suceder a Antônio Mariz, quando da morte deste, vítima de câncer do cólon, em setembro de 1995. Escolhido pessoalmente por Mariz para companheiro de chapa na campanha contra a deputada Lúcia Braga em 1994, Maranhão prestou um juramento no discurso proferido nas exéquias do amigo morto: “Nesta hora crucial da nossa história, quero garantir solene e firmemente à Paraíba que colocarei em prática todo projeto de governo idealizado por Mariz e que este compromisso será mantido até o último dia de gestão. Justifica-se duplamente o rigoroso cumprimento de nossas promessas comuns. Primeiro, há uma razão prática: como candidato a vice-governador, participei junto com o nosso mentor maior da própria fase de elaboração do programa. Defendi todos esses princípios em reiterados pronunciamentos, ainda mesmo durante a campanha e, depois, já exercendo o governo”.
Acrescentava que era de natureza moral a segunda justificativa para que ele procurasse cumprir fielmente, ao pé da letra, o programa do governo Mariz: “foi exatamente esse programa que nos garantiu a vitória”. Entendia, além do mais, haver identidade ideológica de sua parte com o referido programa. Maranhão, que faleceu, ontem, em São Paulo, vítima de covid-19, se não chegou propriamente a cumprir todo o projeto idealizado por Mariz, devido a problemas conjunturais, avançou bastante nas linhas mestras da plataforma apresentada aos paraibanos, que tinha por escopo a prática de justiça social, com redução de desigualdades e acolhimento de setores marginalizados da sociedade. Ao contrário do ex-presidente José Sarney no episódio da ascensão ao lugar de Tancredo Neves, na Paraíba a ascensão do vice à cadeira de Mariz ocorreu sem traumas maiores, exceto as emoções embutidas na tragédia que comoveu todos os paraibanos. Sarney não estava preparado psicologicamente para assumir de chofre o comando da presidência da República, inclusive porque Tancredo disfarçou, até a última hora, os problemas de saúde que enfrentava. Maranhão tinha conhecimento da enfermidade de Mariz e da dificuldade em governar – teve que se preparar para uma eventualidade, que seria a fatalidade, consumada.
Por outro lado, nas vezes em que assumiu como interino o governo do Estado, nos momentos mais dramáticos vividos por Mariz, Maranhão foi se enfronhando, de algum modo, no conhecimento da máquina e dos problemas gerais do Estado, aliando novas informações à experiência como político, empresário e administrador, que já constava do seu currículo na vida pública. Munido dessas credenciais é que ele conseguiu manter a normalidade administrativa no limite do possível, dentro das condições de temperatura e pressão, ou seja, dentro das limitações que a indefinição e o dualismo de poderes provocaram nesse período excepcionalmente doloroso para a vida da Paraíba. Não se podia dizer que havia um neófito na plenitude do cargo nem que a demora no exercício de comando tenha comprometido mais seriamente o programa de governo do que as dificuldades que todos os Estados enfrentam na conjuntura nacional de recessão.
Outro ponto em comum a ressaltar foi a co-participação de Maranhão na engenharia política que moldou o governo Mariz. Quando assumiu o Planalto e tentou tocar a engenharia política, Sarney esbarrou na caixa-preta de compromissos que só Tancredo, mineiramente, havia amarrado. Maranhão, se não soube de tudo que Mariz engendrou nos bastidores, teve acesso em grande parte à geografia que então se montava. Essa posição foi facilitada pela sua identidade partidária com Mariz, o que não era o caso de Sarney, egresso de uma dissidência do antigo PDS. Era natural que, no princípio, pipocassem dúvidas, até desconfianças, sobre a Era Maranhão, em razão, até mesmo, das circunstâncias que o empurraram para um segundo plano calculado. “Mas os que conviveram de perto com ele, após a chegada ao poder, apostam fichas num governo surpreendente, marcado pela coerência, pela autoridade e pela intransigência em relação a princípios. A expectativa não é de um governo tíbio ou vacilante e, sim, de diálogo e prestigiamento aos políticos e, acima de tudo, de firmeza em face da dura realidade do Estado”, registrei em coluna no jornal “O Norte”, reproduzida em alguns trechos no livro “A Fala do Poder”.
Numa reflexão que fez sobre o mister de governar, Maranhão confessou: “Nestes últimos quatro anos, pude perceber a dimensão das responsabilidades que repousam sobre os ombros de quem governa. É quando o governante avista a solução no horizonte e não consegue trazê-la para perto de si, a fim de reparti-la com seus governados”. Em 2011, num discurso de agradecimento pelas homenagens recebidas no Paço dos Leões, em comemoração ao seu aniversário, Maranhão ressaltou: “Aprendi muito, pois, como se diz na linguagem popular, o serviço ensina. Aprendi mais ainda ouvindo o povo e a sociedade. Nenhuma decisão foi tomada por mim sem buscar inspiração na fonte. Já no penúltimo ano de mandato, me sinto orgulhoso porque não envergonhei a ninguém. Sinto o fluido da amizade que pude construir. Não há compensação maior para o homem público”. Fez questão de dedicar uma referência à classe política, “tão injustiçada, mas a que tenho orgulho de pertencer”. Orgulhava-se de ter procurado manter o respeito aos paraibanos. E teorizava: “Faltar com o respeito significa negar o dever de cidadania. Aprendi a amar o povo. Não acredito em político que não goste do povo”.