Nonato Guedes
O Partido dos Trabalhadores completa, hoje, 41 anos de fundação comemorando a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a principal figura da agremiação, que ficou preso durante 580 dias na Polícia Federal em Curitiba, denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em meio às celebrações, o partido intensifica a campanha nacional para a absolvição irrestrita de Lula nos processos movidos contra ele, escudando-se em decisões judiciais que estão sendo refeitas ou reavaliadas, colocando em xeque a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro e dos mentores da Operação Lava Jato, que arrastou Da Silva para as barras dos tribunais e o desgaste político internacional. O PT quer passar uma borracha no passado provando, de uma vez por todas, que Lula é inocente. Se vai conseguir o feito, é outra estória….
Dentro da cruzada midiática intitulada #JustiçaParaLula, que toma corpo nas redes sociais com intensidade, nas últimas horas a maioria do Supremo Tribunal Federal rejeitou uma manobra articulada por procuradores da Lava Jato para impedir o acesso do ex-presidente às mensagens trocadas entre eles e Sergio Moro. A cúpula petista, representada pela presidente Gleisi Hoffmann, e os militantes de base que ainda sobrevivem, acreditam, piamente, que se trata do começo do restabelecimento da verdade. “Uma vitória do povo”, como está expresso nas convocatórias para “lives” e outras manifestações que deverão acontecer por todo o dia de hoje a fim de assinalar as quatro décadas do partido originado numa reunião no Colégio Sion, em São Paulo, em plena ditadura militar, e que se consolidou na região do ABC paulista, empalmando lutas sindicais memoráveis memoráveis em defesa da classe operária e de setores marginalizados.
Em termos de organização partidária, o PT é, sem dúvida, um fenômeno que tem sido estudado por cientistas políticos de todo o mundo e que foi tomado como referência por movimentos políticos-populares de outros países. Afinal, uma legenda que nasceu em condições hostis, adversas, desafiando agremiações e esquemas políticos oligárquicos e tradicionais e conseguiu a proeza de chegar à presidência da República em quatro oportunidades (a última abreviada por um processo inesperado de impeachment) não pode ser subestimada. Tem, comprovadamente, um histórico forjado na luta árdua, na resistência a esquemas opressores. O problema é que o PT mostrou, também, sua face oculta, tenebrosa, refletida nos escândalos do mensalão e do petrolão, na prática de irregularidades administrativas ou no cometimento de práticas deletérias. Foram membros do partido que popularizaram o dinheiro sujo na cueca, como ardil para burlar a vigilância dos agentes da Polícia Federal. Foram petistas que escancaram o recebimento de propinas, a partilha do “butim” amealhado em conluios suspeitos com empreiteiras que também financiaram caprichos nababescos de cabeças coroadas do petismo como o próprio Lula.
O desvendamento de aspectos sombrios da trajetória de um partido que dizia cultuar a ética acima de todas as coisas e que apregoou massivamente a pureza ideológica sobressaltou a opinião pública, feriu de morte a credibilidade petista e instaurou uma zona de sombra sobre qual a verdade de todo o enredo porque, bem ou mal, abstraindo excessos e até erros propositais de investigadores da força-tarefa da Lava Jato, “capas pretas” do petismo estão em cadeias, cumprindo penas, dando explicações, fazendo acordos de delação premiada. O próprio impeachment de Dilma Rousseff em 2016, no pleno exercício do segundo mandato conquistado nas urnas, a despeito das conotações políticas que todo processo de impeachment tem, derivou de fatos graves associados à improbidade administrativa – foram imputadas a Dilma “pedaladas fiscais” pelo Tribunal de Contas da União.
Lula é emblemático não apenas por ser o único grande líder do Partido dos Trabalhadores fundado por ele, mas porque se mostrou resiliente na construção de uma narrativa fantástica com ingredientes de teorias conspiratórias, de golpes contra o partido e a democracia, de preconceito pela ascensão de representantes de extratos sociais marginalizados ao topo do poder no Brasil. Essa história bate com o conjunto das desigualdades que matizam a vida brasileira, mas não olvida responsabilidades por atos delituosos nem tem o condão de absolver a todos os petistas flagrados com a mão na botija. O próprio Lula, quando presidente (está nos livros, para quem quiser ler) declarou-se apunhalado pelas costas por “companheiros” que roubavam dinheiro público e nada lhe diziam. Será que tudo aquilo foi um engodo, um artifício feito sob medida para ludibriar incautos? Se assim for, Da Silva, além de líder, é um grande artista. O cinema brasileira não imagina o potencial que está perdendo.
Na concepção de Lula, a Lava Jato “é uma mentira bem contada por juízes, procuradores, grupos políticos e pela mídia, que usou seu poder para envenenar a consciência de milhares de brasileiros”. Enquanto isso, o “pajé” ressalta que vai provando a sua dignidade, na mesma proporção em que ex-condestáveis do poder como Sérgio Moro (ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro) desmorona. Noves fora essas ilações que Lula e o PT alardeiam – e têm todo o direito de alardear – importante constatar que o partido chega aos 41 anos despedaçado como força política e, praticamente isolado no contexto das forças de esquerda do país. A grande bandeira que desfralda é a da inocência de Lula. Mas cabe a pergunta: Lula ainda empolga o eleitorado brasileiro a ponto de voltar, consagrado, à Presidência da República? Em todo caso, Saudações, PT!