Nonato Guedes
O governador de São Paulo, João Doria, lidera uma orquestração dentro do PSDB para assegurar o controle da agremiação, expurgando tucanos de carteirinha como o deputado federal Aécio Neves, ex-candidato a presidente da República, com quem tem trocado farpas publicamente. A emulação já provoca visível desagregação nas hostes do ninho tucano e passa a impressão de que tem a ver com a disputa presidencial do próximo ano, na qual Doria aspira a concorrer ao Planalto, de preferência dando combate a Jair Bolsonaro, de quem foi aliado na campanha eleitoral de 2018. Atualmente, os dois são inimigos de ferro a fogo e têm se confrontado, com nitidez, no debate sobre a campanha de vacinação contra o coronavírus, bem como em outros aspectos do enfrentamento à pandemia que assola o país.
Os analistas políticos ressaltam que o arranca-rabo instalado nas hostes tucanas é reflexo, também, da divisão enfrentada pelo PSDB na recente eleição para o comando da Câmara Federal, entre Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Arthur Lira (PP-AL), vencedor do pleito e candidato patrocinado diretamente por Bolsonaro. Oficialmente o PSDB entrou no bloco de Baleia Rossi, entretanto, mais da metade dos deputados da bancada alinhou-se com Arthur Lira, tido como representante do “Centrão”. A vitória de Baleia era desejada por Doria, interessado numa aliança na eleição de 2022 com o MDB e o Democratas. Aécio Neves é aliado de Arthur Lira. E sobre ele, Doria foi incisivo: “Que saia. É o que se espera de um parlamentar. Afinal de contas, foi eleito pelo voto popular. Então, respeite o povo, respeite a democracia e respeite o PSDB”. Fontes tucanas confirmam que Doria quer suceder o atual presidente, Bruno Araújo (PE), em maio, mas ainda não há consenso a esse respeito.
Interlocutores do governador paulista avaliam que a pretensão de Doria é natural, lembrando que em 2014, com Aécio Neves, e em 2018, com Geraldo Alckmin, os candidatos tucanos à Presidência da República eram presidentes do partido. Isto lhes deu vantagem e margem de manobra para pavimentar pretensões individuais focadas na obtenção de apoios para indicação de candidaturas, oficialmente, à corrida presidencial. Mas o controle da legenda não é garantia ou passaporte automático para elegibilidade na campanha, tanto assim que Aécio e Geraldo Alckmin não conseguiram alçar à cadeira que atualmente o capitão reformado ocupa. Em todo caso, como o PSDB padece de uma liderança carismática, respeitável, influente, que aglutine tendências, Doria quer ter, pelo menos, um quinhão – o do respaldo para concorrer.
O governador de São Paulo corteja o Palácio do Planalto porque, além de levar em consideração a importância estratégica do Estado que administra, no contexto da Federação, com um dos maiores orçamentos do país, pessoalmente ele se considera talhado para estar na linha de frente da oposição a Bolsonaro, baseando-se nas brigas que tem tido com o governo federal e no confronto direto que assume com o chefe do Governo. João Doria, todavia, não tem prestígio maior no bloco dos governadores, principalmente dos que fazem oposição declarada ao presidente da República. É avaliado como personalista e acusado de falta de solidariedade para com Estados menos desenvolvidos. Chega, mesmo, a ser qualificado como expoente máximo do “paulistério”, denominação que se atribui às elites do poder (político e econômico) concentradas na maior capital da América Latina.
Para quem planeja ser candidato a presidente da República e sabe, de antemão, que terá dificuldades para construir uma ampla aliança de apoios em torno do seu nome e de sua ambição, o governador João Doria comete erros primários de estratégia. Não é conhecido, por exemplo, pela capacidade de articulação com outros governadores de Estados importantes e menos importantes, só eventualmente participando, como interlocutor, de alguns debates que, no seu caso viram embates mesmo, com o presidente da República, sobre temas urgentes, tais como a calamidade da Covid-19. A maioria dos governadores evita meter-se nas brigas de Doria com Bolsonaro, por mais que reconheçam, “em off”, razões do gestor paulista, em uma ou outra oportunidade. Mas não se sentem compelidos ao dever da lealdade porque nunca tiveram retribuição ou aceno de prestígio.
A posição de Doria é particularmente complicada na região Nordeste, normalmente discriminada por governantes do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, ou somente lembrada quando utilizada como destinatária de ações assistencialistas em emergências como as secas cíclicas que se abatem sobre os nordestinos que, não obstante, constituem núcleos expressivos de mão-de-obra indispensável para viabilizar o desenvolvimento de São Paulo e também do Estado. No Nordeste, cansados de esperar por atenção ou migalhas de paulistas e do poder central em Brasília, governadores idealizaram um Consórcio que agrega forças para dar consistência a potencialidades regionais, tanto dentro do território brasileiro como no exterior. O governador João Doria, na hipótese de vir a ser candidato a presidente da República, terá notórias dificuldades para montar palanques como tática para falar a nordestinos.
No que toca ao êxito de um pedido de expulsão de Aécio Neves do PSDB, é difícil prosperar. Em fins de 2019 o partido já votou e rejeitou solicitação pedindo o afastamento do deputado por Minas Gerais. A avaliação feita é que um novo pedido somente deverá avançar se houver fato novo, como uma nova denúncia ou sentença, além das atuais que envolvem o ex-governador das Alterosas. Aécio, diga-se de passagem, não está condenado, porém, é alvo de pelo menos nove inquéritos na esfera do Supremo Tribunal Federal, após ser citado na delação premiada de Joesley Batista, dono da JBS. Segundo Neves, “Doria quer vestir o figurino de oposição mas na eleição de 2018 se apropriou do nome de Bolsonaro para vencer as eleições em São Paulo, através da inesquecível Bolsodoria”. A revista “Veja” diz que Doria é o melhor nome do PSDB ao Planalto mas continua bem atrás nas pesquisas de intenção de voto para a sucessão presidencial. Nelas, Bolsonaro lidera com folga nos cenários de primeiro turno.