Nonato Guedes
A política aproxima, separa e também reconcilia personagens que, por injunções dela decorrentes, acabam se tornando adversários. Quando o ex-governador e poeta Ronaldo Cunha Lima estava convalescendo em seu apartamento de um AVC, poucos dias antes do seu falecimento, José Maranhão ligou para Cássio Cunha Lima anunciando a intenção de visitá-lo. A mensagem chegou ao conhecimento do poeta, que prontamente consentiu, alegando que não guardava mágoas, não nutria inimizades e que, portanto, Maranhão seria “bem-vindo”. O encontro acabou não acontecendo, mas o gesto de grandeza demonstrado por Maranhão calou fundo entre familiares de Ronaldo ou membros do seu “clã”. Agora, na morte de José Maranhão, Cássio, o herdeiro de Ronaldo, gravou mensagem destacando qualidades do líder emedebista.
A Paraíba sabe que em 1998, por ocasião do seu aniversário, em março, no Campestre Clube, em Campina Grande, Ronaldo se desentendeu, de público, com o então governador José Maranhão, que levara ordens de serviço para execução de obras, a pretexto de homenagear o poeta. Na prática, o desentendimento selou o rompimento do “clã” com Maranhão e apressou a sua saída do então PMDB, com o consequente ingresso nas fileiras do PSDB. O gesto teria simbolizado a reação de Ronaldo contra a candidatura de Maranhão à reeleição em 98. Ele preferia que o ungido fosse o filho Cássio, que só quatro anos depois concretizou a aspiração. Num discurso confuso, em meio ao barulho de claques que tomavam conta do recinto, Ronaldo insinuou a Maranhão que, se não tivesse condições de governar o Estado, o chamasse para empalmar o desafio. Imagens captadas por câmeras de televisão e disseminadas na internet exibiram Ronaldo com o dedo em riste, no rosto de Maranhão. A “turba” dava o tom da radicalização dos ânimos, da agitação dos espíritos.
Na verdade, a oportunidade de reeleição surgiu para Maranhão mercê de decisão aprovada pelo Congresso Nacional, originalmente destinada a beneficiar o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que, conforme a imprensa, teria “comprado votos” de congressistas, o que ele refutou em depoimentos nos seus livros. O instituto da reeleição, por extensão ou por efeito colateral, favorecia governadores de Estados e prefeitos que estivessem no exercício dos mandatos. Na Paraíba, Maranhão investira-se na titularidade em setembro de 1995 com a morte de Antônio Mariz, de quem foi vice na campanha eleitoral de 94, que também premiou Humberto Lucena e Ronaldo Cunha Lima ao Senado. A escolha de Maranhão para vice fora pessoal, de Mariz, que nele confiava, como deixou claro em conversa com jornalistas.
O governo de José Maranhão havia se instalado timidamente, diante da responsabilidade de suceder a uma legenda política como Antônio Mariz e em face do Plano de Desenvolvimento concebido pelo titular da chapa, que parecia uma carta de navegação pessoal e intransferível, embora dissesse respeito aos interesses e reivindicações da população paraibana como um todo. Maranhão comprometeu-se com essa bússola e cuidou de imprimir sua marca registrada, adotando o lema “Austeridade e Desenvolvimento”. Com a perspectiva de reeleição despontando no cenário, o governo ganhou energia e velocidade, mobilizando-se com vistas a contribuir para massificar a imagem do gestor de plantão. Foi quando o lema mudou para “Austeridade é Desenvolvimento”, com isso exprimindo que o estilo adotado pelo substituto de Mariz já produzia resultados positivos na dolorosa conjuntura econômica e social imperante na Paraíba.
Não demorou muito a entrar no radar a possibilidade de candidatura de Maranhão a governador, e o “clã” Cunha Lima teve acuidade suficiente para detectar sinais de movimentação focados na promoção da imagem do chefe do Executivo. O próprio programa “Palavra do Governador”, transmitido por cadeia de emissoras de rádio que cobriam praticamente todas as regiões do território paraibano – e que chegou a ter este colunista e a jornalista Fábia Carolino como apresentadores – amplificava a visibilidade das ações administrativas de Maranhão, aproximando-o dos cidadãos radicados nos mais longínquos recantos do Estado. Maranhão esperava que sua pretensão, por ser natural e legítima, tivesse o acatamento dos Cunha Lima, mas constatou que as coisas não eram bem assim. Cássio estava na “agulha” para assumir a liderança do “clã” e seu nome passou a circular em meio a especulações e projeções sobre a disputa governamental de 98.
O divisor de águas, de forma traumática, pode ter sido o episódio do Campestre, em que Ronaldo Cunha Lima “estranhou-se” com Maranhão, dando vazão a “Senas acumuladas” no histórico do relacionamento entre os dois grupos políticos. Nos bastidores, é o que se sabe, já havia ensaios de emulação, de competição informal, extra-oficial, não sendo difícil adivinhar o rumo que tomariam os acontecimentos diante do fato novo em vigor. Como chefe de um agrupamento político, Maranhão ouviu conselhos para montar retaguarda e preparar-se “pra guerra”. Foi o que fez, dando um intervalo na ação administrativa para preparar seu “exército” que foi a combate em convenções renhidas, marcantes na trajetória do PMDB-MDB da Paraíba. Terá havido erro de cálculo dos Cunha Lima, ao subestimar o poder de fogo de José Maranhão. O fato é que JM assenhoreou-se do controle da legenda, infligiu derrotas ao “clã” campinense e ergueu a taça cobiçada ao final do prélio.
Os Cunha Lima guardaram a revanche contra José Maranhão para 2002, já fora da órbita de sua influência, detentores de espaços generosos dentro do PSDB, onde puderam, finalmente, pavimentar a aspiração de Cássio Cunha Lima, consagrado em 2002 ao governo do Estado e reconduzido em 2006 ao Palácio da Redenção. Ressalte-se que, sobretudo para Ronaldo, portador da ficha de filiação 001 do PMDB, não foi fácil deixar a legenda e migrar para o ninho tucano. Mas em política certas escolhas são aleatórias, mesmo que inevitáveis ou imprescindíveis. Nestes últimos dias, em meio à comoção pela morte de Maranhão, o “clã” Cunha Lima respeitou a dor e o luto. Agiu com urbanidade, com a mais absoluta decência e civilidade. A nota destoante, ainda na agonia de Maranhão, como é público e notório, ficou por conta do suplente de senador Ney Suassuna, um antigo companheiro de jornadas que se jactava perante a opinião pública de ser “O Senador do Zé”. Ney protagonizou o espetáculo mais deprimente já registrado pela crônica política paraibana e brasileira.