Nonato Guedes
Já está virando praxe: a intervalos calculados, o presidente Jair Bolsonaro chama para a briga governadores de Estados, inclusive aliados, uma vez que generaliza críticas feitas a esses gestores. A mais recente confusão tem como pano de fundo as medidas restritivas adotadas por governadores com relação a atividades econômicas, diante da escalada de contágio do coronavírus. Bolsonaro sugeriu que governadores “que fecham Estados” passem a arcar com o ônus do pagamento de auxílio emergencial que tanto cobram, para atender a famílias em situação vulnerável por causa da conjunção das crises sanitária e econômica no país. Diante da reação furiosa de governadores, questionando repasses de verbas pela União para o combate à covid-19, o presidente apresentou “seus números”. Não batem com os dos governadores – e não por má vontade, mas porque alguns deles envolvem rubricas específicas distintas que não podem ser desviadas para o enfrentamento à pandemia.
Analistas políticos da mídia sulista desconfiam que todas as brigas alimentadas pelo mandatário com governadores têm um cunho de marketing populista para manter a imagem de Bolsonaro num patamar razoável de aprovação, que o segure no cargo e consolide a sua grande ambição de tentar a reeleição no voto em 2022. A colunista Thaís Oyama, do UOL, alertou, inclusive, que os governadores estão fazendo, inconscientemente, o jogo de polarização que interessa tanto a Bolsonaro para fidelizar seu eleitorado e reforçar seus espaços para a disputa no ano vindouro. Na prática, governantes que pareciam em marcha batida para decolar numa possível corrida presidencial estão sendo abatidos e perdendo musculatura. Este é o caso visível do gestor de São Paulo, João Doria, do PSDB, que “comprou” a guerra da vacina com o capitão e angariou desgaste, talvez irremediável para suas pretensões de chegar ao Palácio do Planalto. Pergunta-se: “baquear” Doria não terá sido justamente a estratégia de Bolsonaro para abatê-lo com antecedência nas preliminares da corrida presidencial? Se tiver sido isto, então já é cálculo político, da parte do atual presidente.
Bolsonaro joga com a opinião pública tirando proveito das próprias medidas restritivas que ele tanto condena. O script, invariavelmente, é o mesmo: ele critica o isolamento social porque precisa, eleitoralmente, que setores produtivos estejam funcionando a pleno vapor, compensando investimentos maiores que o governo federal não pode fazer dada a situação crítica do país e devido às consequências da própria calamidade. Como os governadores enaltecem o auxílio emergencial mas não dão o crédito ao presidente, este cai em campo para fazer sua própria propaganda. E é assim que abusa de redes sociais para comunicar-se com seu público e intercala essas investidas com deslocamentos pelo país a pretexto de cumprir agenda de urgência. No final das contas, o presidente acena com mais uma rodada do auxílio – em valores menores, mas tentando produzir milagres dentro do caos que ele mesmo provoca.
O presidente não tem perfil de homem de ideias, situando-se mais no campo do panfletarismo ou da agitação política, desde que isto lhe traga dividendos. Vale-se dos instrumentos da máquina, como a possibilidade de realizar obras e investir em serviços nos Estados, para se credenciar ao papel de “realizador”, numa réplica mal feita de governantes desenvolvimentistas como Juscelino Kubitscheck. Ou mesmo Getúlio Vargas, com a Companhia Siderúrgica Nacional e a Petrobras. Bolsonaro não cogita propriamente motivar a autoestima do brasileiro, até porque há uma sensação de angústia pairando sobre a sociedade em virtude da calamidade do coronavírus e, em segundo lugar, porque o presidente é assumidamente um negacionista, que ignora a dimensão do avanço da epidemia no Brasil e desdenha das estatísticas de mortes. Tem sido chamado pelos adversários mais ferrenhos de “genocida”.
Mas, por intuição, o presidente sabe que a crise paralela do desemprego e da falta de renda para milhares de famílias denominadas vulneráveis compõe o caldo de cultura propício para a rendição a favores, até mesmo esmolas, por parte do poder público. Um auxílio emergencial, mesmo cotado a R$ 250,00, na nova rodada de valores, é uma esmola para famílias que convivem ao mesmo tempo com elevação do custo de vida em produtos essenciais como o gás de cozinha. Mas alguma coisa, ou alguma ajuda, é sempre melhor do que nada. O governo federal ainda tem fôlego para dar essa mãozinha? Vai dá-la, porque tem compromisso e sensibilidade com o sofrimento do povo. Esta é a base do raciocínio que movimenta Bolsonaro e que o leva a ser protagonista, apesar dos índices de rejeição, num cenário de calamidade e falta de perspectivas.
Essa estratégia de marketing populista de Bolsonaro vai continuar sendo levada adiante porque o presidente não tem coisa melhor a oferecer à população e porque consegue o protagonismo diante da postura amadora de governadores e de outros líderes da oposição, que ajudam a alimentar o clima de confronto, confundindo tudo em meio à grave crise sanitária e econômica. Pelo sim, pelo não, diante do andar da carruagem dos acontecimentos, vai se tornando cada vez mais imperativo para a oposição a Bolsonaro agir politicamente de forma mais profissional. O amadorismo com que a oposição atua, a olho nu, apenas faz o jogo do capitão-presidente. Que ganha, de mão beijada, a divisão dessa dita oposição. Exemplo? Ciro Gomes, do PDT, disse que a prioridade das forças democráticas deve ser derrotar o PT nas eleições de 2022. Gleisi Hoffmann, falando pelo PT, repete que a prioridade é derrotar Bolsonaro. Que, de longe, mas não tão longe assim, assiste ao circo pegar fogo.