O médico e neurocientista Miguel Nicolelis disse que a possibilidade de o Brasil ultrapassar a marca de três mil mortes diárias por covid-19 nas próximas semanas passou a ser real. Ontem, o país teve o dia mais letal de toda a pandemia pela segunda vez consecutiva e estabeleceu também a maior média móvel de mortes. Foram registrados 1.840 novos óbitos causados pela doença em 24 horas. Em entrevista ao El País, questionado sobre o que esperar nas próximas semanas, Nicolelis disse que “vamos entrar numa situação de guerra explícita”.
– Nós podemos ter a maior catástrofe humanitária do século 21 em nossas mãos. A possibilidade de cruzar dois mil óbitos diários nos próximos dias é absolutamente real. A possibilidade de cruzarmos 3 mil mortes diárias nas próximas semanas passou a ser real. Se você tiver dois mil óbitos por dia em 90 dias ou 3 mil óbitos por 90 dias, estamos falando de 180 mil a 270 mil pessoas mortas em três meses. Nós dobraríamos o número de óbitos. Isso já é um genocídio, só que ninguém ainda usou a palavra. O que são 250 mil mortes sendo que a vasta maioria poderia ter sido evitada? – pontuou Nicolelis.
O neurocientista avaliou, ainda, que São Paulo irá colapsar. Ontem, o governo anunciou que todo o Estado vai entrar na fase vermelha, o mais restritivo do Plano São Paulo, por duas semanas, a partir de sábado. Nesta fase, apenas serviços essenciais, como mercados e farmácias, ficam abertos, mas com capacidade reduzida. “Acho que São Paulo vai colapsar. Campinas já colapsou. Rio Preto colapsou. Ribeirão Preto está no mesmo caminho. A cidade de São Paulo não vai aguentar. O Hospital Emílio Ribas já está 100% ocupado e com fila de espera. O Hospital das Clínicas, que tem um dos maiores números de leitos de UTI do Brasil, está com 80% de ocupação e vai colapsar – estimou.
Nicolelis defendeu um lockdown nacional de pelo menos 21 dias, com o pagamento de auxílio para que as pessoas fiquem em casa. “Os governadores sabem que o governo federal não vai fazer nada, estão querendo empurrar a responsabilidade. Desde novembro estou sugerindo criar uma Comissão Nacional com a sociedade civil, governadores e Supremo Tribunal Federal, que precisa decretar uma tutela judicial no Ministério da Saúde. Uma intervenção. E essa Comissão Nacional ficaria responsável por tomar decisões e supervisionar toda a logística.
Questionado se a população acataria uma restrição tão dura, Nicolelis afirmou que os brasileiros nunca tiveram uma mensagem correta da gravidade da situação “porque não temos nenhum estadista no país”. E acrescentou: “As pessoas estão falando de sucessão presidencial em 2022 quando o país está morrendo na pandemia. Faltou decisão política e visão estratégica. Faltou às pessoas eleitas pensarem não nos lobbies econômicos e políticos que as sustentam, mas nos cidadãos como prioridade. É preciso bancar uma decisão”. O neurocientista argumentou que as novas variantes do coronavírus são mais letais e perigosas, o que torna a situação mais crítica. “Temos no Brasil a reunião de todas as variantes, inclusive as nossas próprias. Essa é a bomba relógio”, concluiu.