Nonato Guedes
O economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, avalia como “desastrada”, com reflexos que tendem a ser duradouros, a intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras a partir da troca do dirigente do órgão, Roberto Castello Branco, em meio à autorização de reajustes nos preços do diesel e da gasolina. Diz Maílson: “A demissão do presidente da Petrobras escancarou uma realidade: Jair Bolsonaro não é um liberal. O ministro da Economia, Paulo Guedes, imaginava ter convertido o capitão ao seu credo. Pura ingenuidade. Castello Branco saiu porque os preços dos combustíveis estavam “errados”, no dizer do presidente.
Para Maílson, Bolsonaro buscou vender uma “versão edulcorada” do seu ato. Como o mandato de Castello Branco venceria neste mês de março, a decisão não foi demiti-lo, mas negar-lhe mais dois anos à frente da empresa. “Não colou”, emenda. O ex-ministro, em seu blog na revista “Veja” lembra que executivos costumam ser reeleitos quando seu desempenho é bom. A seu ver, esse era o caso de Castello Branco, na avaliação de quem acompanha a gestão da Petrobras. Os efeitos da intervenção? A queda de bilhões de reais no valor de mercado da Petrobras. “Isso pode ser recuperado, mas há, infelizmente, danos duradouros”, analisa Maílson.
Segundo o economista paraibano, por muito tempo participantes do mercado terão receio em adquirir ações da Petrobras e de outras estatais. Em paralelo, poderá arrefecer o ânimo dos que têm interesse em participar de leilões de concessão de saneamento básico e de outras áreas de infraestrutura. “Como confiar que as regras sobre os preços dos serviços não serão violadas pelo poder concedente, influenciado pelas visões de mundo do iliberal Jair Bolsonaro? A imagem do Brasil, desgastada pelo desempenho do atual governo na área ambiental e na pandemia, tende a piorar. O destaque que a demissão ganhou na imprensa estrangeira pode esmaecer o entusiasmo de investidores que acreditaram no programa de transformações estruturais, abertura da economia e modernização prometidas por Guedes”, acrescenta Maílson.
O ex-ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney admite que a situação pode mudar para melhor se advierem novas e adequadas atitudes dos governantes, mas vai demandar tempo e talvez outra administração. Diz que o presidente indicado para a Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, precisa torcer para que ocorra queda nas cotações do petróleo e do dólar. Se subirem e tiver sido mantida a atual política da Petrobras, o general será obrigado a autorizar a elevação dos preços dos derivados de petróleo. Poderia perder o cargo, a depender do humor instável do presidente Bolsonaro. Se tiver “sensibilidade”, como disse em entrevista, imporá prejuízos à empresa e, depois, ao Tesouro, que, pela lei das estatais terá de cobrir o prejuízo. “A conta virá para todos os brasileiros”, finaliza Maílson da Nóbrega.
Numa reportagem sobre o assunto, em que detalha bastidores da atuação da Petrobras, a “Veja” fala em escalada intervencionista protagonizada pelo governo de Bolsonaro na área econômica, e traça um mini-roteiro de algumas ações emblemáticas, situadas na categoria do “populismo”: em janeiro deste ano, Bolsonaro ameaçou o novo presidente do Banco do Brasil, André Brandão, por divulgar plano de corte de despesas, com diminuição de número de funcionários e fechamento de agências; em setembro de 2020, o mandatário declarou que, por patriotismo, varejistas e distribuidores de alimentos não deveriam aumentar preços e autorizou a Senacon a notificar supermercados; em abril de 2020, vetou cortes de salários de funcionários públicos durante a pandemia, preocupado com a perda de eleitores, a mesma justificativa usada para não apoiar abertamente a reforma administrativa e, em abril de 2019, pediu à Petrobras que segurasse o aumento do diesel nas refinarias, causando o atraso nos repasses.
A mesma reportagem sublinha que em suas quase sete décadas de existência, a Petrobras tem sido sempre muito vulnerável aos desígnios de governantes de plantão. Por seu tamanho, necessidade de investimentos e capacidade de influenciar os preços da economia, a empresa tem se transformado numa arma política a serviço do governante de ocasião. Serviu como espaço de manipulação para efeitos eleitoreiros, para estimular a atividade econômica, criar empregos, controlar a inflação e sustentar esquemas colossais de corrupção. De Getúlio Vargas a Dilma Rousseff, todos os presidentes intervieram na gestão da petrolífera, em menor ou maior proporção. Diante das promessas feitas na campanha, porém, a expectativa era de que Bolsonaro não repetiria os desmandos do passado.
“Mas, ao desafiar o mercado nos últimos dias, Bolsonaro deixou claro que ainda não rompeu com seu passado populista e equivocado, de deputado que votou contra o Plano Real, contra a quebra dos monopólios de petróleo e das telecomunicações. Em dois anos na Presidência da República, entre idas e vindas, ele tentou interferir nos preços dos combustíveis e dos alimentos, e pediu a cabeça do presidente do Banco do Brasil. Em todos esses arroubos, voltou atrás e disse que não tinha a intenção de intervir na economia. A intempestividade na demissão de Castello Branco, entretanto, foi seu erro mais grave e de difícil contorno”, traduz “Veja”. Robert Lee, fundador da corretora Avenue Securities, que concentra investidores brasileiros interessados em apostar no mercado americano, resumiu a ópera: “O brasil tem cada vez menos espaço nos portfólios globais”.