Nonato Guedes
Os que insistem na possibilidade de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, por alegados crimes cometidos durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil, não devem alimentar ilusões de que evolua um processo dessa natureza. Pelo menos conforme a avaliação do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que é vice-presidente da Câmara Federal e tem bom trânsito entre os governistas e a oposição. Ramos, que deverá ter maior protagonismo no cargo do que seus antecessores, disse em entrevista ao “Congresso em Foco” que, a exemplo do que ocorreu no mandato de Rodrigo Maia, dificilmente um eventual pedido de impeachment de Bolsonaro prosperará com a atual Mesa presidida pelo deputado Arthur Lira (PP-AL).
Para ele, “seria ruim para o Brasil discutir afastamento do presidente em plena pandemia”, prognosticando que um processo de impeachment paralisaria a Câmara por até um ano. Além do mais, o vice-presidente da Câmara entende que o processo também não frearia os discursos e as ações de Bolsonaro em relação à disseminação da doença e mortes causadas pela Covid-19. “Todos os que acompanham um processo de impeachment sabem que ele não começa hoje e termina amanhã. É longo, demora e paralisa o país. Tudo o que o Brasil não pode, neste momento, é ser paralisado. O parlamentar acrescenta que a oposição e a crítica a Bolsonaro podem e devem ser feitas de maneira dura por quem acha que deve fazê-las. “Mas, sinceramente, não acho que é o momento de criar mais instabilidade institucional”.
A Ordem dos Advogados do Brasil, aparentemente, está inclinada a acolher pressões de segmentos da sociedade inconformados com o presidente Jair Bolsonaro e encampar a bandeira do impeachment, contando com o apoio de mobilizações em redes sociais. Marcelo Ramos, todavia, insiste: “Precisamos do mínimo de tranquilidade para enfrentar os efeitos sanitários, econômicos e sociais da pandemia, e somente depois de superada essa etapa crítica o país terá condições de discutir as responsabilidades pelo agravamento da tragédia que já levou a vida de mais de 260 mil brasileiros”. Deputados da bancada federal paraibana, mesmo os que são favoráveis à abertura de processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, têm revelado, em entrevistas, sentimento de descrença quanto às chances de ser levada adiante uma orquestração nesse sentido.
Na verdade, se há consenso, ou quase unanimidade, a respeito do comportamento errático do presidente Bolsonaro na condução da pandemia, agravado pela postura negacionista que, volta e meia, ele professa, como parte da estratégia de marketing populista, há uma análise realista de que o governo, mesmo tardiamente e à custa de desgaste permanente na relação com governadores de Estados e prefeitos de cidades, acaba agindo no que diz respeito à aquisição de vacinas que possam fazer deslanchar o processo de imunização dos brasileiros em face do contágio da Covid-19. Governadores movimentam-se para negociar diretamente com laboratórios do exterior a aquisição de vacinas e prefeitos de Capitais e outros municípios envolvem-se na formação de consórcios com o mesmo objetivo. É um esforço coletivo para não ficar refém do humor de plantão no governo federal. Bolsonaro já percebeu esses sinais e procura agir para se redimir das omissões praticadas até agora.
O receio de um agravamento da crise econômica em meio a um processo de impeachment do presidente da República é outro fator que “segura” Bolsonaro, por enquanto, no cargo e tende a segurá-lo até o final do mandato, em 2022. A classe política, incluindo os próprios adversários do presidente da República, está interessada no retorno do auxílio emergencial que representou válvula de escape para contemplar famílias em situação de vulnerabilidade diante da calamidade do coronavírus. De acordo com a estimativa do deputado Marcelo Ramos, é possível que na próxima semana seja aprovado o texto que abre caminho para a volta do auxílio emergencial, da mesma forma que ele saiu do Senado. O parlamentar diz que não há chance de a PEC Emergencial passar pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial antes de ser analisada, como foi proposto por expoentes da oposição.
Pelo andar da carruagem, salvo, é claro, fator superveniente, um processo de impeachment de Bolsonaro pode até acontecer, mas em outubro de 2022, nas urnas, quando ele for concorrer à reeleição para um segundo mandato na Presidência da República. Mesmo assim, não será fácil, como se especula nas hostes adversárias, abater o favoritismo do presidente na corrida eleitoral do próximo ano. Ele tem alternado índices de rejeição com avaliações de que empreende um “governo regular” à frente do Palácio do Planalto, mas, na média, mantém-se com apoio suficiente para dar a largada e pode vir a ser reforçado com obras de impacto e investimentos estruturantes que até agora não saíram do papel. Politicamente, Bolsonaro não está morto; pelo contrário, está ativíssimo, O impeachment é que não mobiliza fortemente a sociedade nem avança nas instâncias do Congresso Nacional. Esta é a verdade nua e crua sobre o “imbroglio” que quase toda semana volta a frequentar a mídia.