Nonato Guedes
José Targino Maranhão, que nos deixou há pouco tempo, foi precoce na trajetória política, tornando-se em 1954 o mais jovem deputado estadual do Brasil. Também foi longevo no Executivo, ocupando o governo da Paraíba por três vezes. Como chefe partidário atuou por pouco mais de duas décadas, no âmbito do PMDB, que voltou a ser denominado MDB. Suas origens partidárias, fincadas a partir de Araruna, no Agreste, eram petebistas, ditadas pelo idealismo que predominou com força num dos mais pródigos períodos da história política brasileira, em que havia multiplicidade de legendas e espaço para pregações ideológicas. Apesar de raízes familiares marcantes do poder econômico, José Maranhão alinhou-se com o ideário de esquerda, situando-se como um reformista, desideratum que originou a cassação do seu mandato pelo regime militar convertido em ditadura e, tempos mais tarde, em 1988, levou-o a posições progressistas na Constituinte que outorgou ao país a Constituição Cidadã.
A investidura de Maranhão no comando partidário ocorreu em meio a quedas de braço com êmulos políticos do próprio partido, mais precisamente os Cunha Lima, representados pela figura carismática do poeta Ronaldo Cunha Lima. O então PMDB, que foi conduzido por muito tempo com equilíbrio e firmeza pelo senador Humberto Lucena, com a morte deste migrou para o controle de Maranhão, que se afirmava como líder de projeção estadual mercê da sua eleição como vice-governador de Antônio Mariz, vitorioso no embate com Lúcia Braga nas eleições de 1994. Humberto dividia a chefia partidária com o irmão, o engenheiro Haroldo Lucena, que chegou a ser vice-prefeito de João Pessoa numa das gestões de Cícero Lucena e foi secretário de Estado. Além de Haroldo, havia no entorno do senador Humberto um grupo leal, dedicado, que fazia a retaguarda burocrática e que contava com figuras como o advogado Janson Guedes, o médico Mazureik Moraes, o executivo Antônio Fernandes, o jurista Solon Benevides e o deputado José Fernandes de Lima, líder da legenda que assumia oposição na Assembleia Legislativa.
Data, precisamente de 1998, o controle da legenda do PMDB por José Maranhão. Foi quando o Congresso Nacional institucionalizou o direito à reeleição para ocupantes de funções executivas, beneficiando do presidente da República a governadores e prefeitos. JM convivia com o grupo Cunha Lima em situação desconfortável diante do projeto expansionista que o intimorato “clã” da Rainha da Borborema perseguia. Ronaldo, que se orgulhava de ter a ficha 001 do PMDB e que fora cassado arbitrariamente pela ditadura militar quando começava a exercer a prefeitura de Campina Grande, foi obstinado no projeto de ser ungido candidato ao governo pela legenda. Preterido em 82 e em 86, por líderes que vinham de dissidências de outras legendas, o poeta bateu o pé na disputa de 1990 e conseguiu se impor ao batismo dentro de casa. Lá fora, deu combate a um político com fama de campeão de votos, mas que já se via às voltas com revezes naturais: Wilson Leite Braga. E derrotou Wilson no segundo tiurno, contando com o reforço de um terceiro candidato, João Agripino Neto, que tinha grande conceito junto a setores da classe média, sobretudo em João Pessoa.
Quando se abriu para Maranhão a possibilidade da recondução pelo voto, em 98, Ronaldo e seus aliados fizeram declaração de guerra, exortando ao enfrentamento em convenções, inicialmente para definir o controle da sigla, depois para homologar a candidatura ao governo. O poeta não escondia o interesse em precipitar o triunfo do jovem herdeiro Cássio Cunha Lima ao Palácio da Redenção – e é certo que os embates foram acirrados no interior da agremiação, prenunciando um racha histórico que, afinal, veio a se consolidar. O próprio Ronaldo, imbatível em disputas eleitorais, ofereceu-se ao sacrifício para postular a presidência do diretório regional, mas Maranhão manobrou e conseguiu viabilizar a eleição de Haroldo Lucena, ainda que por margem apertada. A partir daí, foi se evidenciando a hegemonia do chamado esquema maranhista, cujo arremate foi a sua consagração em convenção, tendo como candidato a vice Roberto Paulino, companheiro de afinidades na região do Brejo.
Os Cunha Lima, por força da legislação, estavam atados ao “jiqui” partidário e não havia como ensaiar uma debandada em massa do PMDB, pois era preciso preservar candidaturas proporcionais, não apenas de expoentes do “clã” mas de aliados que haviam sido decisivos nas batalhas travadas contra Maranhão. Praticamente cruzaram os braços em relação à candidatura de Maranhão e traíram simpatia pela candidatura de Gilvan Freire, que concorreu pelo PSB, sem a menor chance. A vitória de JM foi acachapante, proporcionalmente a maior obtida nas eleições a governos estaduais naquele ano de 1998. Principiou aí, no mapa com os resultados, a retirada dos “ronaldistas” e seus discípulos, em grande parte migrando para os quadros do PSDB, com outros se distribuindo em outras legendas afins. A revanche dos derrotados de 98 ficou acumulada e deu à luz em grande estilo em 2002, com a sagração de Cássio Cunha Lima, derrotando Roberto Paulino, sacramentado por Maranhão para “a continuidade”.
Com José Maranhão no comando do PMDB-MDB da Paraíba, a agremiação foi do céu ao inferno, alternando momentos gloriosos no exercício do Poder com derrotas em série. O governo do Estado cruzou o caminho de JM em pelo menos seis vezes – em 95, quando assumiu com a morte de Mariz, em 98 quando foi reeleito, em 2006 quando perdeu para Cássio Cunha Lima, em 2009 quando foi chamado a completar o mandato de Cássio, afastado pela Justiça Eleitoral, em 2010, quando perdeu para Ricardo Coutinho e em 2018 quando perdeu para João Azevêdo. Em contrapartida, Maranhão elegeu-se senador por duas vezes – estava no pleno exercício do segundo mandato no Congresso quando foi fulminado pelas complicações da Covid-19. Pode-se dizer, em relação a José Maranhão, que embora tenha tido trajetória fulgurante na vida parlamentar, o que mais o realizava era o Executivo. A possibilidade de realizar obras, atrair investimentos, desenvolver o Estado, melhorar as condições de vida do seu povo – tudo isto compunha o corolário das expectativas que alimentou na vida pública. Quanto ao futuro do MDB, o partido terá que começar quase do zero, sob nova direção – a do senador Veneziano Vital do Rêgo. Sobre isto, comentaremos oportunamente.