Nonato Guedes
Segundo o historiador José Octávio de Arruda Mello revelou ao colunista Abelardo Jurema, o cardiologista Marcelo Queiroga é o décimo quarto paraibano a ocupar o cargo de Ministro de Estado do Brasil em sua fase republicana. Octávio diz que, excetuando os que ocuparam cargos a nível ministerial no tempo do Império, como Manoel Carneiro da Cunha e Diogo Velho, figuram Aristides Lobo como titular do Interior na presidência de Deodoro da Fonseca, Epitácio Pessoa, da Justiça, no governo Campos Salles, José Américo, da Viação e Obras Públicas nos dois períodos do governo Getúlio Vargas, Pereira Lira, na Casa Civil do governo Dutra, Fernando Nóbrega, no Trabalho, no governo Juscelino Kubitscheck, João Agripino (Minas e Energia, no curto mandato de Jânio Quadros), Abelardo Jurema, da Justiça, no governo João Goulart, Celso Furtado (Planejamento e Cultura), Jaime Portela (Casa Militar), Aurélio de Lyra Tavares (Exército, no governo Costa e Silva), Maílson da Nóbrega, Ney Suassuna (governo Luiz Inácio Lula da Silva) e Aguinaldo Ribeiro (Cidades, no governo de Dilma Rousseff).
O doutor Marcelo Queiroga faz parte do grupo dos ministros com “missões espinhosas” à frente das Pastas para as quais foram indicados. Ele assume o ministério da Saúde no momento mais grave da pandemia do novo coronavírus no Brasil, com o sistema de saúde pública brasileiro inteiramente colapsado, tanto pela crise sanitária como pelos erros de condução do plano de enfrentamento à doença. Aliás, não só o sistema público de saúde está em colapso – o próprio sistema privado está exaurido e, de forma preocupante, passou a recorrer nas últimas horas à Saúde Pública. Até então a Pasta vinha sendo ocupada por um general, Eduardo Pazuello, que era espécie de marionete do presidente da República e que, nas palavras do senador paraibano Veneziano Vital do Rêgo executou uma gestão desastrosa, dos pequenos detalhes aos grandes exemplos.
O ministro da Justiça de João Goulart, Abelardo de Araújo Jurema, viveu período de turbulência em virtude da conspiração que já se desenhava nos quartéis para a deposição do mandatário, com a instauração de uma ditadura que, como se sabe, durou 21 anos e legou ao país a chamada longa noite das trevas, com cassações de mandatos, exílio de personalidades da política, da ciência, da cultura e das artes, prisões ilegais, torturas de presos políticos e assassinatos de opositores do regime, conforme constatado em levantamentos da Comissão Nacional da Verdade. O próprio Jurema foi punido com a cassação dos direitos políticos, tendo que sobreviver no exterior. Quando retornou ao país, estendeu a mão ao general Figueiredo, último presidente do ciclo militar, que então havia patrocinado uma anistia – não tão ampla nem irrestrita como queriam alguns setores, mas fundamental para o reencontro da Nação com a normalidade democrática. Jurema reintegrou-se à vida política-institucional brasileira.
Maílson da Nóbrega foi convidado pelo presidente José Sarney para assumir o ministério da Fazenda e tentar pôr ordem na casa depois da aventura populista do Plano Cruzado, que chegou a ser saudado nas ruas pelos “fiscais do Sarney”, com “poderes” para fechar supermercados e outros estabelecimentos que estavam remarcando preços e tarifas. Funcionário de carreira do Banco do Brasil, típico burocrata, sem vinculação política-partidária ou ideológica, Maílson orgulhava-se do “estrito profissionalismo” no trato das questões públicas. Dizia que sua preocupação era fazer um trabalho que produzisse bons resultados para o Brasil. Não causou boa impressão na Paraíba como ministro. Pelo contrário, sustentou um duro embate com o então governador Tarcísio Burity, tendo como pano de fundo divergências sobre a rolagem da dívida astronômica que a Paraíba ostentava para com o Tesouro Nacional. Burity inquinava Maílson como “filho ingrato”. O ministro replicava que o governador pretendia tratamento diferenciado ou privilegiado, em comparação com Estados com maior peso econômico no país. Segundo Maílson, “não havia condições para abrir precedentes”.
A exemplo de Maílson da Nóbrega, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, não constituiu indicação da bancada federal paraibana, que não teve a menor influência na confirmação do cardiologista para titular da Pasta. Atribui-se a unção à influência ddo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República, com quem o novo ministro teria ligações de amizade. Mas os parlamentares paraibanos, aliados ou não do governo Bolsonaro, como não poderia ser diferente, transmitiram um crédito de confiança ao ministro, não só quanto às ações urgentes para enfrentamento à calamidade do coronavírus como a outras demandas, específicas, de interesse do Estado e do Nordeste, que estão congeladas nessa área, até em virtude da prioridade máxima, absoluta, que é conferida em todo o mundo ao combate à pandemia.
O próprio governador João Azevêdo (Cidadania), que não é do bloco de Bolsonaro, mas mantém relação institucional com o governo federal, falou na possibilidade de esforço concentrado, com outros governadores da região, quanto à distribuição de vacinas nos Estados e municípios. Aliás, se vier a ter o mínimo de autonomia à frente do ministério da Saúde, o doutor Marcelo Queiroga poderá se consagrar no desempenho da missão. Embora já tenha dito que não se considera uma espécie de “milagroso”, muito menos reivindica papel messiânico de “salvador da Pátria”, o novo ministro da Saúde poderá surpreender na apresentação de resultados. Sua “missão”, vale repetir, é seguramente espinhosa, até em virtude do estigma de “negacionista” que carimbou o governo Bolsonaro até agora em relação à epidemia de Covid-19. Mas o novo ministro tem jogo de cintura e trãnsito político no Congresso, como deixou claro o deputado Efraim Filho (DEM), da bancada paraibana. Este pode ser o seu grande cacife para atrair adesões até mesmo de representantes de grupos políticos, como o “Centrão”, que não absorveram sua escolha e, assim, salvar sua biografia como profissional da Medicina.