Nonato Guedes
Incensado por segmentos da mídia desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, votou para anular as condenações de processos contra ele no âmbito da Operação Lava Jato, em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pegou “embalo” na onda, aproveita o desgaste do governo do presidente Jair Bolsonaro em meio ao agravamento da pandemia do novo coronavírus e busca firmar-se como “a melhor opção” para a disputa de 2022. Não se passa um dia, desde o “habeas-corpus” concedido pelo ministro Fachin, que Lula não ocupe espaços, ditando regras sobre como deve ser o combate à epidemia de Covid-19, articulando-se com simpatizantes, aliados e até adversários e construindo pontes para uma eventual candidatura que ainda terá que passar pelo crivo do colegiado da Corte Suprema.
A mídia favorável a Lula ou anti-Bolsonaro não economiza adjetivos ao informar a atuação do ex-presidente num momento delicado da conjuntura brasileira, com o governo perdido e desorientado, que já promoveu a quarta nomeação de ministro da Saúde, enquanto o próprio presidente da República desautoriza mensagens e recomendações do ministro anunciado, o cardiologista paraibano Marcelo Queiroga. A revista “Fórum”, por exemplo, entre inúmeras matérias produzidas, com foco na promoção da imagem de Lula, destacou em manchete: “Lula, mais uma vez, sai na frente de Bolsonaro e pede a Biden reunião do G20 sobre vacinas”. O texto lembra que Da Silva já atuou diretamente no diálogo com o Fundo Russo para a aquisição da Suptnik V e que, agora, fez a sugestão ao presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, em entrevista à CNN Internacional.
O redator da matéria, Ivan Longo, sublinha: “Apesar de estar longe da presidência há mais de 10 anos, o ex-presidente lula tem assumido uma postura de chefe de Estado diante da ineficiência do governo Bolsonaro no combate à pandemia. Em entrevista concedida esta semana à respeitada jornalista Christiane Amanpour, da CNN Internacional, Lula sugeriu que Biden convoque uma reunião do G20, grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo, para discutir uma distribuição justa de vacinas entre as nações do globo. Este trecho da entrevista foi divulgado pela própria jornalista britânico-iraniana: “Uma sugestão que gostaria de fazer ao presidente Biden por meio do seu programa é: é muito importante convocar uma reunião do G20 com urgência. É importante chamar os principais líderes mundiais e colocar em volta da mesa uma só coisa, uma questão: vacina, vacina e vacina”, disse Lula.
E acrescentou: “A responsabilidade dos líderes internacionais é enorme, então estou pedindo ao presidente Biden que faça isso porque não posso. Não acredito em meu governo (Bolsonaro). E, também, não poderia pedir isso para Trump (Donald Trump), mas Biden é um alento para a democracia no mundo”. O ex-presidente brasileiro, naturalmente, quis fazer uma analogia sobre a relação estreita que o presidente Jair Bolsonaro cultivou com o ex-presidente americano Donald Trump, inclusive apoiando ostensivamente o seu projeto de reeleição, que acabou naufragando diante do favoritismo do opositor do Partido Democrata. Bolsonaro chegou ao ponto de comprar a briga ensaiada por Trump com as Cortes Eleitorais dos EUA sobre suposta fraude no processo que deu a vitória a Biden. Foi um dos mais desastrados episódios da história da diplomacia externa brasileira, conforme analistas categorizados, tanto mais porque a orquestração midiática de Trump não foi levada a sério e ele teve que deixar a Casa Branca, onde esperava residir por mais quatro anos.
As escolhas equivocadas que o governo do presidente Bolsonaro tem feito na política internacional, em paralelo com a repercussão do desastre do governo brasileiro no enfrentamento à pandemia de coronavírus, têm contribuído para aprofundar o isolamento do nosso país no cenário externo. Bolsonaro praticamente não dialoga com governantes de outros países porque não tem inetlocutores confiáveis ou respeitáveis nem influências que o ajudem a conseguir avançar, por exemplo, na deflagração de uma política de vacinação em massa em território brasileiro. Já Lula, em novembro de 2020, teve um encontro com Kirill Dmitriev, diretor do Fundo de Investimento Direto Russo, que financiou o desenvolvimento da Sputnik. O interesse de Dmitriev em ter uma conversa surgiu após ele descobrir que o nome de Lula era um dos signatários de um abaixo-assinado pelo Nobel da Economia Muhammad Yunus, que defende a vacina enquanto um bem comum e que seja distribuída gratuitamente.
Além disso, como destaca a “Fórum”, o encontro de Lula com Dmitriev contou com a interlocução do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que incentivou a reunião. Além do ex-presidente, participaram da reunião com o diretor do Fundo Russo os ex-ministros da Saúde José Gomes Temporão, Alexandre Padilha e Arthur Chioro. Todos eles garantem que Lula foi decisivo na negociação para a compra da Sputnik V. A verdade é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva surfa na maré da onda cujos ventos estão lhe favorecendo, como parte da guinada que experimentou na vida pública e pessoal desde que foi solto após cumprir 580 dias de prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Ele se favorece, igualmente, do fato de que em política não há espaço vazio, e da circunstância de que, como animal político, tem apetite de sobra para articular reviravoltas como o sonhado passaporte de volta ao Palácio do Planalto na estação eleitoral de 2022. Essa parada, convenhamos, Bolsonaro está perdendo de goleada.