Nonato Guedes
O cenário da pandemia de covid-19 no Brasil vai mudar rapidamente – e para pior. Não há previsão de retorno ao que era a vida antes da descoberta do novo coronavírus. As declarações, feitas ao UOL pelo médico e neurocientista Miguel Nicolelis, renomado em todo o mundo e que até pouco tempo assessorou o Fórum de Governadores do Nordeste, refletem a dramaticidade da situação enfrentada hoje no país, com os efeitos perversos de uma nova onda do coronavírus, elevação do número de casos de contaminação e percentuais assombrosos de óbitos. Pesquisas feitas por institutos especializados apontam que uma maioria expressiva da população já considera que a pandemia está fora de controle.
Ao se referir à média móvel de mais de 2.000 óbitos por dia, Nicolelis vaticinou: “Nós vamos passar 3.000 que nem um foguete. Onde vai parar se nada for feito? Hoje, com todas as pessoas do Brasil com quem conversei, ninguém tem ideia”. Há colapso nos sistemas de saúde em todas as regiões do país, como São Paulo, com fila superior a 400 pacientes à espera de um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Questionado por jornalistas se há alguma medida que evite tal catástrofe, o médico explicou ser difícil: “É mais provável termos outro colapso antes disso”. Ele afirmou ter visto imagens de uma cidade no interior de Pernambuco, com corpos amontoados. A região está inundada com casos e não está se dando conta das mortes naturais. A próxima previsão é o colapso funerário.
Miguel Nicolelis reforça o perigo de chegarmos ao ponto de os cemitérios não comportarem tantas mortes. “Começamos a falar de infecções secundárias, contaminação do solo, lençóis freáticos…Entra em uma escala das batalhas da Segunda Guerra Mundial”, cita. Medicamentos estão em falta nos hospitais, e em São Paulo há casos de pessoas sendo intubadas sem sedativos. Para isso, elas são amarradas. Nicolelis considera um absurdo. E ressalta: “Intubar um paciente é um procedimento extremamente delicado e difícil. Fazer com paciente amarrado, não consigo conceber. É o registro do colapso de sistema”. O quadro de extrema calamidade que está sendo verificado em todo o território nacional põe a nu as deficiências do sistema de saúde pública, que sempre se soube ser um dos grandes gargalos estruturais da sociedade brasileira.
Em meio a tudo isso, a população brasileira é obrigada a conviver com a insensibilidade, a indiferença, a falta de empatia do presidente da República, Jair Bolsonaro, para com a calamidade sanitária. Não bastasse a postura negacionista encampada em relação à epidemia, o que por si só é prova de ignorância e de despreparo para o papel de estadista capaz de lidar com situações de emergência, o presidente da República tem tripudiado sobre as mortes verificadas em escala impactante e, agora repele as críticas que são feitas à má condução do Plano Nacional de Imunização, chegando a desdenhar das cobranças por vacinas que têm sido feitas insistentemente, todos os dias. O próprio governo, após alguma relutância, havia aceito a evidência de que só uma campanha de vacinação em massa poderia conter a escalada do novo coronavírus no Brasil e isto gerou a falsa expectativa de que houvesse progresso no ritmo das imunizações. Em vez disso, a vacinação anda a passos de tartaruga e se acumulam os problemas logísticos para acesso às doses prometidas.
A opinião pública, enquanto isso, se pergunta qual será mesmo o papel do novo ministro anunciado para a Pasta da Saúde, o paraibano Marcelo Queiroga. Sua indicação, em princípio, foi recebida com alvíssaras por se tratar de um profissional da Medicina, médico cardiologista qualificado, que até então presidia a Sociedade Brasileira de Cardiologia. O novo ministro despertou expectativas otimistas, também, por causa de declarações feitas em debates e conferências de que participou, demonstrando respeito e obediência à Ciência. Já depois de anunciado, pregou como indispensáveis medidas aparentemente comezinhas como o uso de máscaras, de álcool gel e o distanciamento social. Ocorre que, a partir daí, algumas posições foram desautorizadas pelo próprio presidente bolsonaro, confirmando-se a suspeita de que não haveria autonomia mínima para o paraibano agir.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos, do PL-Amazonas, está pressionando o Ministério da Saúde para abrir o que chama de “caixa preta” da vacinação. E indaga: “Qual é o verdadeiro cronograma de vacina? Ninguém sabe. Temos de fazer um esforço no Congresso e arrancar a caixa preta da vacinação do Ministério da Saúde”. O parlamentar justifica: “A gente pune quem fura fila, a gente pune o agente de saúde que dá vacina de vento, mas não pune o ministro por não entregar cronograma de vacinação. Ressalvado se for justa causa, como se não tivesse vacina, o mecanismo legislativo pode trazer improbidade legislativa para o ministério” A verdade é que no Brasil a situação da pandemia é tanto mais grave pelo fato de que não há governo. Jair Bolsonaro, infelizmente, comanda um simulacro de governo no país. E profetas como Nicolelis, infelizmente, continuam pregando no deserto.