Nonato Guedes
Em declarações feitas nas últimas horas à CNN o economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, adotou um tom contundente ao analisar a postura do governo do presidente Jair Bolsonaro diante do enfrentamento à crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19. “O presidente boicota todas as medidas de restrição. Sem o controle da pandemia, não há como vencer essa recessão que estamos vivendo. O presidente faz tudo ao contrário do que é recomendado. Ele não vê o que está acontecendo aqui e em outros países? Bolsonaro continua insistindo em preservar a liberdade de ir e vir, mas isso tem limites”, sentenciou Maílson da Nóbrega.
O ex-ministro prosseguiu: “As pessoas não podem ir além dos limites que prejudicam o resto da sociedade. As pessoas não podem deixar de usar máscaras. Em uma pandemia, isso não existe”. As críticas de Maílson da Nóbrega foram reforçadas em uma carta aberta assinada por cerca de 500 economistas no último domingo, inclusive ele. Os ex-ministros da Fazenda Pedro Malan, Marcílio Marques Moreira e Ruben Ricupero, os ex-presidentes do Banco Central Armínio Fraga, Gustavo Loyola, Pérsio Arida, Ilan Goldfajn e Affonso Celso Pastore, e ligados ao mercado financeiro como o presidente do Credit Suisse, José Olympio Pereira, e o conselheiro do Itaú Unibanco, Pedro Moreira Salles, também participaram da ação. Ainda na entrevista, Maílson disse que espera que Bolsonaro assuma o papel de presidente em suas atitudes.
– Para melhorar a situação do Brasil, Bolsonaro precisa abandonar seu discurso negacionista, pois parece que ele está sugerindo que prefere contar os mortos a contar os desempregados. É necessário que ele assuma o papel que lhe cabe como presidente do país. Cuidar da população é papel da liderança política – completou Maílson da Nóbrega. O ex-ministro, apesar de críticas ao presidente Jair Bolsonaro, teceu elogios à atuação do ministro da Economia, Paulo Guedes. De acordo com seu ponto de vista, o ministro Paulo Guedes “tem defendido as necessidades de reformas no país e está entendendo o momento que estamos vivendo”. Exemplificou que a atitude dele de usar máscaras, sendo um dos poucos políticos da atual gestão que utilizam, é uma postura correta e isso só acrescenta o prestígio que ele tem tido por pessoas que acompanham o seu trabalho”. Maílson frisou que o documento firmado por economistas está recebendo mais assinaturas e apoiamento, a partir de análises realistas sobre o agravamento da situação causada pela pandemia.
“O ambiente conturbado e polarizado dificulta o andamento das reformas. O presidente vem perdendo popularidade com suas atitudes”, acentuou Maílson da Nóbrega. Ao desdobrar o raciocínio sobre a atmosfera conturbada devido à postura do presidente da República, o ex-ministro paraibano lembrou que as reformas tributária e administrativa, entre outras, foram concebidas dentro do objetivo de contribuir para aumentar a produtividade do país – e, no entanto, observou que elas não avançaram em termos de discussão. “Sem elas, o Brasil não aumentará seu potencial de crescimento”, reiterou. Segundo Nóbrega explicou, a elaboração da carta foi uma resposta à percepção de que a crise sanitária está se aprofundando. No texto são defendidas medidas como aceleração do ritmo de vacinação, distribuição gratuita de máscaras e campanha de conscientização.
A manifestação de representantes influentes do segmento empresarial ou produtivo no Brasil foi considerada como oportuna pela mídia por expressar avaliações sensatas, equilibradas, que levam em conta simultaneamente a extensão da tragédia sanitária que se espalha pelo território nacional e os reflexos da crise econômica e social. Ao mesmo tempo, trata-se de manifestação inspiradora que pode motivar outros segmentos da sociedade brasileira a se mobilizarem para a construção de um pacto capaz de levar o país a fazer a travessia pela superação da candente crise sanitária. Desde que ficou claro que o presidente Bolsonaro recusou-se a assumir papel de liderança na mobilização coletiva para enfrentamento à pandemia de coronavírus, grupos sociais têm agido em esforço conjunto para preservar vidas e empregos. O governo federal continua patinando em meio à dificuldade para gerir a crise.
A reação do Planalto foi a de identificar “tom político” por trás da carta de empresários e economistas. Interlocutores palacianos dizem que o motivo é que a maior parte dos signatários já faz oposição a Bolsonaro e é crítica da gestão de Paulo Guedes na Economia. Um interlocutor do presidente admitiu que há uma clara contribuição ao debate sobre enfrentamento à Covid no país, muito embora a percepção na maior parte da cúpula do governo seja a de um componente político acentuado no documento. Uma fonte do alto escalão chegou a declarar que é um movimento “tipicamente tucano”, um “establishment qualificado que foi desalojado”, um “ato de desespero” intensificado pelo retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT à arena eleitoral e a consequente polarização entre o petista e Bolsonaro. Avaliam que a grande novidade do texto “é o ato político em si”.
Para além dessa leitura espalhada pelos círculos oficiais, sabe-se que o documento, pelo peso de que se reveste, colocou o governo federal em estado de alerta. O presidente Jair Bolsonaro tem acumulado problemas demais nesta fase de convivência com a crise sanitária e os focos de atrito com governadores de Estados e prefeitos municipais são constantes na relação da presidência da República. Por outro lado, Bolsonaro tem acionado frequentemente o Supremo Tribunal Federal para dirimir impasses, exteriorizando seu desconforto com poderes conferidos a gestores que estão em posição inferior na linha hierárquica. Pelo sim, pelo não, com tantas frentes vulnerando o governo, Bolsonaro deveria ser mais prudente e abrir-se à “concertação política” pela união para o enfrentamento da crise, que se agrava a olhos vistos.