Nonato Guedes
Embora não se esperasse dele outro posicionamento, foi importante o gesto do governador da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania), manifestando seu alinhamento com a defesa da democracia em meio à onda de ameaças golpistas patrocinadas pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, que chegou a detonar uma crise nas Forças Armadas para dar vazão a seus instintos autoritários, constantemente exteriorizados, desde que ele se investiu no cargo. Em mensagem alusiva ao transcurso, ontem, dos 57 anos do golpe militar de 1964, o governador paraibano, não titubeou: “É um dia para ser lembrado. Que esteja em nossa memória um passado que não queremos ver de novo, nem no presente, nem no futuro. Democracia e liberdade, sempre”.
Quanto mais líderes políticos se pronunciarem, com desassombro, contra o totalitarismo, mais fortalecido estará o regime democrático, principalmente num país como o Brasil onde o golpe que durou 21 anos deixou sequelas profundas e, pelo visto, vem retroalimentando o discurso de figuras desajustadas perante o figurino do Estado de Direito, do respeito à Constituição e da vigência das liberdades públicas em sua plenitude. Reagir é preciso, até para evitar surpresas desagradáveis, como ocorreu com Pedro Moreno Gondim, governador da Paraíba em plena eclosão do golpe militar de 64, que precipitou divulgação de manifesto de apoio ao movimento, levado mais pela conjuntura local, e depois renegou a quartelada. Ele foi punido, inclusive, com a cassação do mandato como deputado federal, como se deu com demais personagens do cenário nacional, dentro da confusa lógica que permeou a deflagração do movimento armado de 64.
Numa entrevista que concedeu ao jornal “A União” no transcurso dos 30 anos do golpe, Pedro Gondim chegou a enfatizar que era exagero falar-se em “Revolução de 31 de março de 64”. E emendou: “Não houve Revolução, o que houve foi uma pseudo-revolução”. Ele avaliou os acontecimentos tumultuados da época lembrando que simplesmente foi colocado diante de um fato consumado, já que os golpistas encarapitavam-se em posições de mando em todo o território nacional e, à custa da força, buscavam apoios e lealdades para legitimar um ato antidemocrático, de uma violência inominável contra as instituições representativas da sociedade. O governador do Estado vizinho de Pernambuco, Miguel Arraes, que tinha posição definida pela margem esquerda no contexto dos fatos, mandou um emissário ao Palácio da Redenção, em João Pessoa, em busca do apoio do governador Pedro Gondim para uma reação armada, mas este respondeu que já havia soltado o manifesto de apoio à nova ordem.
O país, como lembram parcelas significativas da opinião pública, enfrentava uma atmosfera conturbada e irrespirável nos dias que precederam a deflagração do golpe, com atos explícitos de falta de autoridade do governo João Goulart para conter a desordem que havia se espalhado em meio a conflitos ideológicos exacerbados, que tinham o incentivo notório dos oportunistas de sempre nas crises políticas ou institucionais, os chamados pescadores de águas turvas. Estava formado o caldo de cultura idealizado por forças políticas retrógradas para impor o regime de força como condição sine qua non para a manutenção de privilégios exclusivistas ou de classes e corporações. Caudal que ganhou o reforço do governo dos Estados Unidos, acionado para supostamente socorrer o Brasil e impedir que aqui se instaurasse “um novo Vietnã”, conforme professavam os arautos da intolerância e do arbítrio.
O ex-governador Pedro Gondim, já falecido, no depoimento que ofereceu sobre os idos de 64, descartou que tenha recebido, diretamente, ameaças ou intimidações por parte de emissários da “nova ordem” para a ela aderir. Gondim foi enfático: “Meu manifesto não teve a interferência de ninguém, senão de uma reunião com grande parte do meu secretariado e outras pessoas próximas. Discutimos e tomamos a posição que foi definida num manifesto de apoio ao movimento que se instaurava. A cassação do mandato de Pedro Gondim como deputado federal, de acordo com versões, teria sido decorrente de um discurso que pronunciou na tribuna da Câmara tomando posição contra a cassação do deputado Márcio Moreira Alves (RJ), que fez referências consideradas ofensivas pelos militares. O fulcro da posição de Pedro Gondim a respeito do caso Márcio Moreira Alves era o respeito às imunidades, entre as quais a imunidade parlamentar, consagrada, aí, a livre expressão de ideias pelos representantes do povo.
Havia, no depoimento de Pedro Gondim a um grupo de jornalistas, de que fiz parte, uma imensa amargura diante de tudo que acabou virando consequência da quartelada de 64, hoje tão exaltada por Jair Bolsonaro. O ex-governador concluía sua fala comentando que a “revolução” fora uma negação quase total e observando que os próprios responsáveis, “aqueles que sobreviveram”, tinham a consciência formada de que ela não trouxe nenhum encorajamento à democracia, “nenhum fato novo para o alto nível político”. Pedro, como outras personalidades que apostaram no caráter “redentor” de um movimento que se propunha a escoimar vícios e mazelas do sistema político-institucional brasileiro, descobriu, tardiamente, que caíra num logro. E constatou, desolado, que a mentira do compromisso democrático alegado em 64 custou muito caro à sociedade brasileira, penalizada pela violência autoritária e pela pobreza da população. Por isso é fundamental que diante de novos arroubos e tentações golpistas-autoritárias, como se dá da parte de Bolsonaro, governadores como o paraibano João Azevêdo se apressem a alistar-se do lado da legalidade democrática, como ele fez, ontem, na exegese de fatos verificados há 57 anos na história do Brasil.