Nonato Guedes
Pouco mais de duas décadas após ter disputado, pela primeira vez, a Presidência da República, surpreendendo os analistas com sua chegada ao segundo turno, onde polarizou com Fernando Collor de Mello, o vencedor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara-se para uma nova jornada rumo ao Palácio do Planalto em 2022. Numa entrevista à RTP, um dos principais canais de notícias de Portugal, Lula confirmou a pretensão e comparou sua candidatura à de Joe Biden, nos Estados Unidos. “O Biden é mais velho do que eu. Então, quando eu for candidato, eu vou ter um ano a menos do que ele. Portanto, se eu tiver com saúde e for necessário cumprir mais uma tarefa, pode estar certo que estarei na briga”, enfatizou ele.
Lula tornou público um desejo que está cristalizado desde que ele terminou o segundo mandato como presidente em 2011 e elegeu Dilma Rousseff à sua sucessão, inscrevendo nos anais uma façanha histórica: ela foi a primeira mulher a ascender ao posto no Brasil. Dilma também foi a primeira mulher presidente da República a sofrer um processo de impeachment que a retirou do cargo quando cumpria o segundo mandato em 2016, acusada, entre outras irregularidades, de pedaladas fiscais pelo Tribunal de Contas da União. O PT, orientado por Lula, tentou vender a narrativa de que o impeachment de Dilma fora um “golpe político-parlamentar”, orquestrado por forças políticas conservadoras que combatem o lulopetismo. Mas tal narrativa não desencadeou reações mais fortes capazes de reverter a situação e Dilma chegou, mesmo, a perder, depois, uma cadeira de senadora por Minas Gerais em 2018, dado o seu desgaste político.
Na verdade, o projeto de Luiz Inácio Lula da Silva era o de “permitir” que Dilma fosse presidente por apenas um mandato, adubando o terreno para a volta triunfal dele, o líder maior, ao Palácio do Planalto. Dilma beneficiou-se, porém, da tradição conferida a mandatários pelo instituto da reeleição que foi adotado no Brasil em 1998 no governo Fernando Henrique Cardoso. No final das contas, o impeachment de Dilma interrompeu o projeto hegemônico petista porque ascendeu ao cargo Michel Temer, expoente do PMDB-MDB, que, se não destruiu totalmente, abalou os alicerces do programa petista. Outros fatos negativos para o PT sucederam-se, como a própria prisão de Lula, por 580 dias, na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, acusado de corrupção, e, como corolário, a ascensão de Jair Bolsonaro ao Planalto em 2018, derrotando nas urnas o “alter-ego” de Da Silva, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad.
Lula está se estimulando a voltar ao páreo porque obteve uma vitória espetacular no Supremo Tribunal Federal, com a anulação, pelo ministro Edson Fachin, de condenações a ele imputadas em processos pontuais como o do tríplex do Guarujá. Esse resultado se deu em paralelo com o inferno astral do ex-ministro Sergio Moro, o juiz que condenou Lula à prisão e que foi o “herói” da Operação Lava-Jato, surpreendentemente desgastado e decaído em meio a acusações de comportamento de parcialidade no julgamento de casos explosivos que tinha sobre sua mesa. Sergio Moro chegou a ser acusado por integrantes do Judiciário de ter utilizado a Operação que chefiava para tentar formar uma organização política baseado no culto à sua personalidade. Até então, dizia-se que Moro era nome imbatível para uma corrida ao Planalto. Hoje, com a inversão de papéis, nem se fala mais nele como alternativa para 2022 – e a novidade velha na praça é a candidatura de Lula, como convém aos caudilhos que querem se perpetuar no poder.
Enquanto não transita em julgado definitivamente a ação que pede a absolvição de Lula em todos os processos nos quais foi inquinado, ele vai ocupando os espaços, com malícia e habilidade, como pré-candidato à sucessão de Bolsonaro. A seu favor conta com um passaporte valioso: a anulação de condenações pelo ministro Fachin devolveu-lhe a condição de elegível, o que o habilita a postular qualquer mandato. Isto não é garantia, claro, de que Lula tem um retorno triunfal assegurado de bandeja. Precisará muito, para manter uma virtual candidatura no âmbito da Justiça, e para reconquistar setores que, mesmo à esquerda, se desgarraram da sua liderança e passaram a abominar a legenda do Partido dos Trabalhadores por associá-la a episódios de corrupção explorados pela mídia no mundo inteiro como os do mensalão e do petrolão. Mas é inegável que a elegibilidade de Lula já é um passo importante para a reabilitação política que, incessantemente, ele persegue desde que foi destronado do poder.
Há uma incógnita permeando a hipótese de recandidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República: ele ainda tem prestígio e votos suficientes para voltar a ocupar a cadeira no Planalto? Ou o desgaste adquirido desde que deixou o poder carimbou-o irreversivelmente como líder estigmatizado no cenário político brasileiro? Até outubro de 2022, isto ainda vai render muita literatura, muita teoria. De concreto, Lula da Silva usufrui a reconquista da liberdade, e, ao mesmo tempo em que sonha com o Palácio do Planalto, bate forte em Bolsonaro. Nesse terreno, não parece ter maiores competidores – afinal, o país, ultimamente, polarizou-se entre bolsonaristas e petistas, não havendo indicação de que forças políticas emergentes tenham assomado. Numa entrevista esta semana, Lula carregou nas tintas ao criticar Bolsonaro por causa da pandemia do coronavírus. E pediu ao presidente para “fechar a boca” em relação à crise sanitária. O tom do discurso, Lula já tem. E, para ele, é o que basta