Nonato Guedes
Personagens em evidência no cenário político-eleitoral da Paraíba nas duas últimas décadas, os ex-governadores Cássio Cunha Lima (PSDB) e Ricardo Coutinho (PSB) não deverão disputar cargos majoritários de destaque nas eleições do próximo ano, como o governo do Estado ou a única cadeira de senador que estará em jogo, mas deverão confluir num aspecto: o protagonismo na oposição ao governo João Azevêdo (Cidadania) e à sua postulação à reeleição em 2022. Cássio tem compromisso de apoio à pré-candidatura do ex-prefeito de Campina Grande, Romero Rodrigues (PSD); Ricardo luta para encaixar sua liderança numa “frente de esquerda” cujos contornos somente agora começam a ser ensaiados e cuja expressão para o confronto nas urnas ainda é uma incógnita.
A dinâmica política aproximou e afastou Cássio Cunha Lima e Ricardo Coutinho na conjuntura local. Em 2010, eles estiveram juntos dentro da estratégia comum de derrotar o ex-governador José Maranhão (MDB), recentemente falecido, que partia em busca do quarto mandato no Executivo estadual. A aliança, que surpreendeu analistas e alguns expoentes da cena política-partidária na Paraíba, revelou-se proveitosa e contou com o reforço, também, do Democratas (DEM), presidido pelo ex-senador Efraim Morais, que atualmente está aliançado com o governador João Azevêdo. 2010 marcou a ascensão de Ricardo ao governo do Estado, depois de duas campanhas vitoriosas à prefeitura de João Pessoa, e a elevação de Cássio ao Senado, onde cumpriu apenas um mandato. Em 2014, os dois se confrontaram na disputa pelo governo e Ricardo levou a melhor. Em 2018, finalmente, Cássio foi derrotado ao tentar renovar o mandato de senador, e Ricardo ficou sem mandato, elegendo o sucessor ao governo, João Azevêdo, com quem rompeu pouco tempo depois.
Daí em diante deu-se o recolhimento político de Cássio, que em 2020 manteve distância de sondagens para concorrer novamente à prefeitura de Campina Grande, onde foi consagrado em três mandatos, e da parte de Ricardo registrou-se a aventura de disputar novamente a prefeitura de João Pessoa, onde, aparentemente, largaria como franco favorito. Acabou defenestrado e sem votos suficientes para avançar, sequer, pelo segundo turno das eleições, no qual não interveio por incompatibilidades congênitas com Cícero Lucena, o eleito, e ojeriza ao candidato do PMDB, Nilvan Ferreira, que alardeava identidade com ideias do presidente Jair Bolsonaro. Pesaram contra Ricardo, desgastando profundamente a sua imagem, denúncias de envolvimento em processos da Operação Calvário, desencadeada pelo Ministério Público e destinada a apurar desvios de verbas na Saúde e na Educação do Estado.
Houve um alento para Coutinho naquela disputa, com sabor de revanche: a declaração de apoio à sua candidatura a prefeito emitida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma nota inusitada na campanha já que o PT tinha candidatura própria, representada pelo deputado estadual Anísio Maia, completamente abandonado pela direção nacional da sigla e que não passou de 1% na contagem final, em meio a tumultos constantes criados pela intervenção da cúpula nacional da própria legenda a que é filiado. A declaração de apoio de Lula, embora não tenha se traduzido em transferência mais significativa de votos para Ricardo, sinalizou, para os “ricardistas”, profissão de fé na inocência do líder dos girassóis paraibanos. Isto equivaleu a uma reabilitação moral para o ex-governador, a despeito das pendências que ainda se arrastam na Justiça e cujo desfecho é imprevisível, do ponto de vista da própria elegibilidade de Coutinho.
O “exército socialista”, que ganhou projeção na mídia tupiniquim, está visivelmente enfraquecido na Paraíba, na esteira da desmoralização política do ex-governador Ricardo Coutinho, que já não comanda mais, por exemplo, a Fundação João Mangabeira, espécie de instituto de estudos políticos do PSB nacional. O próprio Ricardo tem uma imagem esmaecida, sem o carisma que o tornou fenômeno do quadro político paraibano, na condição de desafiante de oligarquias políticas tradicionais e conservadoras do Estado. Ele está baqueado mas tem parcela residual de influência, porque a verdade é que não eclodiu liderança com carisma e autenticidade para empalmar bandeiras de esquerda na Paraíba. Soma-se, por vias transversas, a Cássio, na oposição sem trégua a Azevêdo.
No que diz respeito ao governador, contempla de camarote a divisão e o declínio experimentado junto a forças assumidamente oposicionistas à sua liderança e à sua administração, e ocupa-se, com prioridade, na missão do enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, buscando demonstrar eficiência do Estado no atendimento à população em meio à maior crise sanitária de toda a história. Mas Azevêdo sabe que não realiza, concretamente, um governo de impacto, por causa da excepcionalidade que teve que administrar. Ele precisará ser mais dinâmico nas ações administrativas gerais propriamente ditas para poder se credenciar à renovação do voto de confiança que lhe foi outorgado nas urnas em 2018. Ao mesmo tempo, precisa aprofundar o diálogo com setores da sociedade insatisfeitos com medidas restritivas do governo e consolidar base de apoio político que não venha a se dispersar no calor da luta em 2022. A oposição ao governador pode estar desarticulada mas não está morta. Pelo contrário: aguarda que o calendário espiche para tentar coalizões capazes de surpreender o esquema oficial e desorientá-lo na luta continuísta que vai empreender. “Ricardistas” e “cassistas” estão à espreita de um lance em falso do governador e do seu governo.