Nonato Guedes
No Brasil, há uma razão especial para festejar-se, hoje, o transcurso do Dia do Jornalista: a saga de resistência que profissionais de imprensa sustentam contra a arrogância e a manipulação que o governo do presidente Jair Bolsonaro tenta impor à sociedade como um todo. O combate contra a mentira e as provocações tem sido particularmente emblemático durante a pandemia do novo coronavírus, cujas dimensões o governo de Bolsonaro tentou esconder num primeiro momento e, depois, minimizar, diante da sua incapacidade para enfrentar a doença, em decorrência da própria postura negacionista que foi adotada pelo Poder Público.
É preciso dizer, com todas as letras, que o governo de Jair Bolsonaro foi criminoso em diferentes etapas de evolução da pandemia no País, pela incúria, desídia e calculada desinformação com que assinalou sua postura perante a calamidade. O governo foi omisso na elaboração de um Plano Nacional de Enfrentamento à Covid-19, o que possibilitaria ações coordenadas com Estados e Municípios que, seguramente, teriam evitado a alarmante estatística de óbitos e o número assombroso de casos detectados nos boletins diários, cuja atualidade se esgota em fração de minutos. O Brasil mostrou-se inteiramente despreparado para combater a epidemia, em comparação com outros países cuja cultura desenvolvida facilitou investidas acertadas para o refluxo na incidência de casos de contaminação.
Em uma outra vertente, o Brasil chegou atrasado na elaboração de um Plano Nacional de Imunização e na própria guerra para aquisição e produção de vacinas que livrassem parcelas expressivas da população de sequelas da terrível doença. Ainda agora, o governo Bolsonaro, que é desagregador por natureza, investe contra medidas restritivas adotadas por governadores de Estados e prefeitos de Capitais e cidades, chegando a incitar apoiadores a atos de desobediência, num claro convite à desordem, ao caos institucionalizado – exemplo péssimo de autoridade que tem repercutido negativamente no mundo inteiro. Tivesse Bolsonaro praticado o diálogo institucional, que era obrigação sua, com outros gestores, a curva da pandemia no Brasil estaria apresentando, a dados de hoje, patamares mais confortáveis ou tranquilizadores para a população. Em paralelo, o diálogo criaria consensos indispensáveis para a retomada gradativa e segura de atividades comerciais, atenuando os reflexos da grave crise econômica e social que corre paralelamente à maior crise sanitária da história da Humanidade.
Em vez de liderar as ações coordenadas, o que exigiria um papel de estadista que está longe de se encaixar no seu figurino, Jair Bolsonaro desdenhou, o tempo inteiro, da velocidade de transmissão da doença no território nacional. Chegou a dizer que a pandemia era uma “gripezinha” e, durante muito tempo, recusou-se a seguir recomendações de especialistas em Saúde para a sua própria prevenção diante do contágio, como o uso de máscaras e a não aglomeração. O retrato da incompetência do governo federal no seu grande teste perante o mundo está estampado – além do número de óbitos e casos de contaminação – na falência do sistema de saúde, tanto público como privado, e na troca de ministros da Saúde. A Pasta já está com o quarto titular no mandato de Bolsonaro – coincidentemente um cardiologista paraibano, Marcelo Queiroga, que executa verdadeiro malabarismo para conciliar suas próprias opiniões com medidas acauteladoras que precisam ser tomadas e diante das quais o “capitão” é francamente refratário.
Além de praticar “tiro ao alvo” contra políticos, especialmente contra potenciais adversários seus na eleição presidencial do próximo ano, Bolsonaro elegeu os jornalistas como inimigos. No dia em que o Brasil registrou 4.211 mortos pela Covid-19, ele ignorou os números da tragédia e disse que “resolve o problema do vírus em poucos minutos”, em mais um ataque à imprensa. “É só pegar o que os governos pagavam para O Globo, Folha, O Estado de S. Paulo, Esse dinheiro não é para a imprensa, esse dinheiro é para outras coisas”, afirmou o presidente. E prosseguiu: “Eu cancelei todas as assinaturas de revistas e jornais do governo federal. Acabou. Já entramos no segundo ano sem nada. A gente não pode começar o dia envenenado”. Deslumbrado com o poder da caneta, Bolsonaro distorce propositadamente os fatos enquanto, por baixo do pano, privilegia supostos blogs e sites criados para constituir a milícia bolsonarista nas redes sociais e tentar substituir a informação precisa dos órgãos de comunicação.
O presidente tentou humilhar jornalistas no “cercadinho” do Palácio Alvorada, em Brasília, todas as manhãs, acionando apoiadores para hostilizar e até mesmo tentar agredir fisicamente profissionais de imprensa que formulavam perguntas indesejáveis ao governante de plantão. Em represália, os jornalistas deixaram de frequentar o “circo particular” do presidente da República, demonstrando altivez que foi endossada pelas direções dos veículos de imprensa em que atuam. É evidente que não cessou a comunicação do governo com a sociedade – mas hoje a própria sociedade filtra o que diz o presidente, o que dizem outras autoridades do Poder, num notável exemplo de análise crítica sobre os discursos oficialistas. Em todo o país médicos e profissionais de Saúde têm sido aclamados e exaltados como heróis do imaginário popular pela jornada exaustiva, desgastante, que empreendem nestes tempos de pandemia. Junto com esses profissionais, jornalistas e comunicadores em geral são reconhecidos pela batalha que travam cotidianamente para desmascarar as “fake news” e manter a sociedade corretamente informada em meio a arreganhos autoritários de um presidente assumidamente saudosista dos tempos do AI-5 e da ditadura militar. Viva a Liberdade de Imprensa!!!