Nonato Guedes
A decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, de obrigar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar ações do governo Bolsonaro no enfrentamento à pandemia da covid-19 reveste-se de alto teor explosivo e sem dúvida contribui para agravar a tensão na relação institucional entre Poderes no país. Pacheco criticou duramente a iniciativa, ontem à noite, por considerá-la inoportuna diante da urgência de soluções que a crise sanitária requer, evitando-se a dispersão de energias no burburinho das brigas políticas. A CPI é um duro revés para o governo de Bolsonaro e suas consequências são imprevisíveis, podendo acontecer tudo, inclusive nada. Mas, tudo indica que ela foi cevada no pano de fundo da crise gerada pela falta de entendimento entre Poderes constituídos que tem se verificado em nosso país. Barroso terá agido, então, profilaticamente, para tentar pôr ordem na casa.
Ainda esta semana o ministro da Saúde, o cardiologista paraibano Marcelo Queiroga, voltou a insistir na necessidade de união nacional para enfrentamento à pandemia, mas a verdade é que houve tentativas para viabilizar essa união e elas fracassaram devido à postura negacionista adotada pelo presidente e aos erros na formulação de uma política nacional de vacinação. O presidente do Senado argumenta que os Poderes da República deveriam priorizar a tomada de decisões mais efetivas para o combate à crise sanitária e evitar ações que estimulem a desunião. Além disso, Pacheco ponderou que esse tipo de instrumento pode servir como palanque político para as eleições do ano que vem, “o que também não contribui em nada para controlar os efeitos da pandemia”. Para o senador, a CPI vai representar o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento à pandemia.
Diz o dirigente do Senado: “A polarização, a politização e a judicialização da política contribuem para esse insucesso. Nós temos dois caminhos: o da união, do amadurecimento das instituições, de cada um cumprir seu papel e tentar somar iniciativas que sejam para o proveito da nação brasileira, ou o caos, em que se antecipa a eleição de 2022 num ambiente de CPI para poder intimidar governadores e prefeitos”. E acrescentou: “Não se queira acreditar que uma CPI vai poder substituir o papel do Ministério Público Federal, do Ministério Público Estadual, da Polícia Federal, da Polícia Civil, da Controladoria-Geral da União. A comissão não fará esse papel. Ela pode ser, sim, um papel de antecipação de discussão político-eleitoral de 2022, de palanque político, que é absolutamente inapropriado para esse momento da nação”.
Na avaliação do parlamentar, a CPI pode ocasionar instabilidade jurídica ao país e dificultar acordos para a contratação de vacinas e insumos para o combate à covid-19, além de afastar fabricantes internacionais do Brasil. De todo modo, Pacheco prometeu cumprir a decisão do ministro Barroso, independentemente de o tema ser levado posteriormente ao plenário do Supremo Tribunal Federal. “Uma vez notificado da decisão monocrática de um ministro do STF, é obrigação de qualquer brasileiro cumprir a decisão. Se haverá desdobramentos de sessão virtual, de se ouvir o plenário do STF, isso é questão interna do STF. Eu não interfiro. Cabe ao STF decidir. Uma vez notificado da decisão de Barroso, a cumprirei, cuidando de dar segurança sanitária aos senadores que participarem da CPI”. Assim, na primeira sessão do Senado na semana que vem o requerimento da CPI será lido em plenário para que todos os partidos na Casa possam indicar os seus representantes no colegiado e, a partir daí, a comissão passe a funcionar efetivamente.
O presidente do Senado preocupa-se com a segurança dos congressistas, expostos à contaminação por terem que atuar presencialmente na apuração de dados, informações e elaboração de documentos atinentes ao assunto. Chega a dizer que, desse ponto de vista, é mesmo arriscado o funcionamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. “O Brasil está em um momento de absoluta excepcionalidade, talvez a maior da nossa história, e isto foi desconsiderado pela decisão. Se desconsiderou uma situação que temos, de muita vulnerabilidade, inclusive para o funcionamento de uma CPI presencial que vai expor ao risco senadores e servidores. É uma decisão equivocada e que invoca um precedente inadequado para o moimento do país. Eu considero que a CPI da pandemia, neste momento, com a gravidade da situação que nos exige união, vai ser um ponto fora da curva. Como se pretende apurar o passado se não conseguimos definir nosso presente e futuro com ações concretas?”, indagou o presidente do Senado.
As alegações do senador Rodrigo Pacheco são parcialmente procedentes e devem ser levadas em consideração. Mas é preciso ter claro que a Comissão Parlamentar de Inquérito só encontrou campo fértil porque, além do presidente da República, o Congresso Nacional falhou em exercer papel de liderança na conjuntura da crise sanitária e econômica que assola o país. Por provocação de Bolsonaro, o presidente do Senado chegou a ser incumbido de coordenar articulações com governadores de Estados e outras autoridades para conseguir eficácia na operacionalização das medidas de combate à pandemia que são imperiosas. Infelizmente, não houve avanço concreto e o senador Pacheco, até agora, tem tido papel simbólico, praticamente decorativo. Esse quadro destoa da expectativa quanto a uma grande concertação nacional para enfrentamento das crises conjugadas. E, nesse contexto, uma CPI é o corolário natural da balbúrdia política-institucional que vigora no Brasil desde a eclosão da epidemia de coronavírus.