Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro passou recibo de que se sentiu golpeado com a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinando ao Senado que instale Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar supostas omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia do coronavírus no Brasil. O receio do mandatário é evidente: o de que a CPI descambe para um processo mais rumoroso que seria o do impeachment do próprio Bolsonaro, sob alegação de crime de responsabilidade na condução da crise sanitária, econômica e social. A reação do presidente, de bate-pronto, foi no sentido de afrontar o ministro Luís Roberto Barroso. Disse que falta “coragem moral pro Barroso e sobra ativismo judicial”.
Para todos os efeitos, diante dos seus apoiadores e até mesmo da opinião pública em geral, Bolsonaro tenta caracterizar a CPI como uma manobra de retaliação ou de revanchismo político-jurídico contra o seu governo. Bolsonaro estranha que a CPI não se proponha a apurar desvio de recursos por parte de governos estaduais no período de vigência da calamidade pública, mas se destine com prioridade a apurar omissões do governo federal. “O pedido é uma jogadinha casada: Barroso bancar as esquerdas no Senado para desgastar o governo”, insinuou o capitão, acrescentando: “Eu quero saber se o Barroso vai ter coragem moral de mandar esse processo de impeachment também”. Invertendo a questão, o presidente desafiou o ministro a também mandar processos de impeachment contra integrantes do Supremo Tribunal Federal para o Senado.
Bolsonaro encerrou definindo como “politicalha” a decisão tomada pelo ministro e que se tornou o assunto do dia nos meios políticos e nos segmentos da mídia, tanto no país como no exterior. Apurou-se que, apesar das bravatas de Bolsonaro e dos seus impropérios específicos contra o ministro Barroso, a determinação tomada por este contou com o endosso da maioria do colegiado do Supremo Tribunal Federal. A “Folha de S. Paulo” registrou que Barroso promoveu uma consulta informal a todos os colegas, naturalmente acossado pela responsabilidade de tomar uma grave decisão de implicações tidas como imprevisíveis. A maioria concordou com ele quanto ao principal fundamento da decisão: a jurisprudência do tribunal determina a instalação obrigatória de CPI quando preenchidos os requisitos, sem possibilidade de análise política por parte do presidente da Casa. Já houve precedente em outras legislaturas. Como já foi dito, a determinação expedida ao Senado decorreu da flagrante omissão daquela Casa, que ignorou, agora, na gestão de Rodrigo Pacheco, do DEM-MG, os pedidos de exame de viabilidade da criação da CPI da Covid.
O presidente do Senado, há poucos dias, foi “entronizado” por Bolsonaro, numa cerimônia em Palácio, no comando de um comitê anti-crise, que teria, entre outras finalidades, a de promover a interlocução do Congresso Nacional com governadores de Estados e outras lideranças influentes com vistas à adoção de medidas coordenadas de combate à pandemia de Covid-19. Como se descobriu rapidamente, o papel do presidente do Senado, lamentavelmente, é decorativo no contexto desse tal comitê, e tanto é assim que não há registro de passos concretos, até mesmo de avanços exitosos no desideratum a que se propunha em tese. Enquanto isso, continuaram se acumulando os problemas da falta de vacinas, da política efetiva de saúde pública, em sincronia com uma crise econômica e social sem precedentes na história brasileira nas últimas décadas. A combinação de crises virou nitroglicerina pura para o governo do capitão.
Em relação ao impeachment de Bolsonaro, foi agitado como um fantasma recorrente durante o período da gestão do deputado Rodrigo Maia na presidência da Câmara Federal, a partir de dezenas de pedidos, dos mais variados extratos da sociedade brasileira ou de autoria de representantes de partidos políticos e instituições ligadas ao Direito. Não avançaram na sua tramitação porque, aí, sim, faltou coragem por parte do deputado pelo Democratas do Rio de Janeiro para sequer analisar os fundamentos das proposituras. Rodrigo Maia jogou o tempo todo para a plateia e recuou melancolicamente a pretexto de que o agravamento da crise tornava inoportuno um processo de afastamento do presidente. É a alegação que Rodrigo Pacheco, no Senado, tenta usar para abortar a CPI da Covid.
Em entrevista à jornalista paraibana Rachel Sheherazade para o site “Metrópoles”, o ministro Marco Aurélio de Mello, decano do Supremo, que está prestes a se aposentar da Corte, foi taxativo: “Observado o regimento interno, o presidente da Câmara tem que submeter às comissões próprias o pedido de impeachment do presidente da República e levar ao Plenário para que decida”. O sucessor de Rodrigo Maia, deputado Arthur Lira, do PP-AL, expoente do Centrão e que teve apoio de Bolsonaro na eleição à Mesa da Câmara, reluta em fazer tramitar o ritual de um impeachment. Para Marco Aurélio, a postura do presidente da República na condução do combate à pandemia merece restrições, bem como o seu comportamento pessoal. “A melhor vacina nesta época de crise aguda é o isolamento”, receitou Marco Aurélio, discrepando da filosofia de Bolsonaro de promover aglomerações constantemente. O que vai ficando claro é que a margem de manobra de Bolsonaro para sobreviver em meio às crises vai se esgarçando. E isto pode trazer de volta o fantasma que mais o assusta: o do impeachment. Se este não vingar, parece certo que a CPI vai “sangrar” o governo, o que torna insustentável, do mesmo modo, a posição de Bolsonaro.
E o mi mi mi continua, a abstinência a roubalheira e grande, vão ter que aguentar até 2026, E ZÉ FINIIIIIII.